domingo, 29 de maio de 2011

Para ninguém


(Marcelo Gerace - Inveja)

Separe as suas 10 melhores mentiras deste ano.
Recite as historinhas tristes da infância que não teve.
Carregue a expressão com seu monopólio da pior dor.
Estrangule a paz dos corações sem dúvidas.
Mutile todo desejo exibido em trajes molhados.
Boicote as lágrimas que tentam lhe causar remorso
e tenha um bom dia!

P.S.
Para quem acaba de sair daquela fossa, você até que não cheira mal. Mas não espere que os agentes da passiva lhe protejam quando o seu perfume vencer.
Eu amo muito mais do que a amei, mas ninguém saberá disso.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Depois da 24ª hora


(Erick Silva)
Hoje é um tempo com nada digno de ser contado,
medido em pulsos imóveis dos grandes ponteiros
vigilantes de cárceres da paz, que nos prendem
em tempos sem lembranças de como ser gente.

Dias que provei todos os gostos, bichos e cantos
meu miocárdio flertou com os “nãos” mais inalteráveis,
colecionou a solidão anunciada dos que me adoraram
e no fim, só amei aquilo que não consegui degustar.

Perdido na devassidão dos verdes anos, acordei tão alto
a ponto de enxergar o mundo inteiro sem abrir os olhos,
disputar as guerras mais intensas sem sair do lugar
e disparar beijos concentrados nos alvos mais distintos.

Já dancei músicas que só ouvi uma vez.
Sonhei com coisas cujo nome nunca soube.
Conheci os amigos que sempre quis ter
e desconfio que um dia, eu até fui feliz.

- Oh, que horas são?

terça-feira, 10 de maio de 2011

Manual hereditário de sobrevivência


Pulando a janela durante a madrugada, roupas socadas na mochila, pouca grana e alguém esperando. Ou não. Enfim, existem muitas maneiras de se saí da casa dos pais.
Seja fugindo ou pedindo a bênção, as últimas palavras trocadas na mística hora da despedida ficam gravadas por toda a vida, consolando ou agredindo.  As razões da saída variam muito, mas acabam perdendo a importância quando se está sozinho no mundo e a vida apresenta desafios tão bárbaros que forçam a dar atenção e valor somente ao que de fato interessa.
De Franz Kafka a Jorge Amado formou-se uma literatura bem peculiar sobre o fantástico dia em que saí de casa. O que me atrai nestes textos não é propriamente sua qualidade estética, mas a honestidade de palavras meticulosas endereçadas exclusivamente a um indivíduo.
Existe certa intromissão em se apossar deste tipo de coisa, como ler uma carta alheia sem a permissão do destinatário. Gosto principalmente das dicas de como proceder longe de casa, os manuais hereditários de sobrevivência.
Bem, hoje minha filha completa dois meses, por isso, embora pareça cedo para dar-lhe conselhos, reproduzirei dois escritos que considero modelos de conduta.
Os dez mandamentos cunhados pelo professor Manoel Ribeiro alcançaram fama graças ao seu rebento, o escritor João Ubaldo Ribeiro, que ao que tudo indica, fez excelente uso deles. Segue relação do que não ser: 
(Flávia Barros - Jóia)
1. Não seja irresponsável;
2. Não seja colonizado;
3. Não seja calado;
4. Não seja ignorante;
5. Não seja submisso;
6. Não seja indiferente;
7. Não seja amargo;
8. Não seja intolerante;
9. Não seja medroso;
10. Não seja burro.
Pois bem, D. Julieta soube resumir em apenas três regras os princípios que o jovem Drummond seguiria por toda sua vida. Num caderno de notas do mestre há a transcrição manual sob o título “Recomendações de mamãe”:
 1. Não guardes ódio de ninguém;
2. Compadece-te sempre dos pobres;
3. Cala os defeitos dos outros.
Amém.
No dia em que Flora nasceu tentei escrever algo que pudesse reproduzir o que sentia naquele instante, um esforço de registrar as impressões frescas daquele amor que se apoderara do meu coração, algo singelo e plural. Mas acho que não fui tão bem sucedido quanto gostaria. Apesar disso, entre os pensamentos mais variados e desconexos que tive naquela ocasião, enquanto ninava-a nos meus braços, lembrei destes conselhos citados acima e pensei alto: “você terá um bom coração, será uma pessoa do bem”. Esta foi minha única prece, minha primeira ordem e presságio.
 Até hoje continuo sem compreender a dimensão da ruptura que se sucedera ali, mas estou certo de que a maior lição de vida que aprendi não foi dada pelos meus pais, muito menos encontrada em depoimentos de antigos estranhos. O código que sigo foi transmitido pelos olhos da pessoa que mais amo e contém a única lei onipotente e eterna: jamais fazer algo que possa ofender uma criança.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Crônicas de um tempo sem futuro


Fones de ouvido calam o mundo, emprestam trilhas escapatórias ao ar coletivo de quem não quer escutar seus lamentos em bocas alheias. 
Relógios feitos para marcar a eternidade, se distraem apostando segundos em corridas sem destino, num tempo que leva a lugar nenhum.
Jornais baseados nos manuais diários são arrancados das prensas sempre atrasados e, antes que estraguem, são engolidos sem mastigar.
Flashes atirados contra os espelhos refletem sorrisos cavalares produzidos sob o entusiasmo coagido de quem não ousa encarar a solidão de frente.
Noites mais iluminadas que dias indicam a suspeita de forças desconhecidas que precisam ser reveladas urgentemente em locais tão bem ignorados.
A vida toca a morte em segredo toda vez que alguém perde a dúvida procurando túneis na escuridão da fé.
Palavras armadas em versos sem alma manipulam a realidade de quem espera a salvação em biografias alheias.
Aprendendo beisebol em vidraçarias de mentira
(Erick Silva)
Em meio a esta onda crescente de desesperança e medo, ainda assim, pessoas se casam e põem toda fé nos seus votos de amor; crianças nascem, vão para escola e aprendem a fazer lições iniciadas com “quando eu crescer” e acreditam que realmente serão grandes pessoas. Portanto não dá para simplesmente apertar o “DANE-SE” e dizer que tudo está perdido.
Ontem definitivamente não foi o melhor dia da minha vida. Mesmo assim, o peso do cansaço acumulado nos ombros e concentrado na testa não foi capaz de me fazer desistir, de me manter prisioneiro daquela sedutora cama de aluguel.
Houve um tempo em que tentei não esperar mais nada da vida, dos desconhecidos, nem das Cias de transportes e seguros. Depois de tanto quebrar a cara alimentando esperanças vãs, cheguei a me esforçar para não criar mais expectativas diante das pessoas. Ainda bem que não consegui, pois hoje sei o quão importante é correr atrás dos sonhos, ter a alternativa de seguir em frente, ainda que sozinho, e realmente, não esperar que ninguém faça por mim aquilo que eu desejo ou preciso. Sei o quanto é formidável se permitir acreditar nas pessoas e em finais felizes. Digo isso não no sentido da coisa ingênua e babaca, mas porque a vida precisa de alguma crença mesmo, de sermos mais pessoas físicas e não entidades com fins comerciais ou similares, entende?
O ódio é considerado por muitos como o símbolo máximo da subversão, do anti-sistema. No entanto, não há nada tão underground quanto a esperança e a bondade. Acreditar, isso sim é ter personalidade, é nadar contra a corrente.
Talvez até possamos viver sem os amigos ou amores, mas caso isso aconteça, deixaremos de ser gente e perderemos o elemento que nos liga a tudo que é supremo. Os outros somos todos nós.
Sobram argumentos para escrever crônicas de um tempo sem futuro, mas não. Hoje eu quero ser alegre, trocar idéias e manter o coração aquecido com a confiança de que os bons sentimentos permanecem seguros e inabaláveis. Ainda que o mundo não me dê tantos motivos, hoje quero falar sobre coisas bonitas, alegres e reais.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Conto do desapego


A vida é o ofício de se preparar para a morte. E vice-versa.
Henrique e Camila passaram o domingo juntos. No dia seguinte, ele trabalhou, tomou mais café do que de costume, não teve sono. Às três da madruga os créditos do seu celular acabaram e ainda sem conseguir dormir, se convenceu que a voz daquela garota era a mais bonita. Foi-se deitar pensando que a amava. Acordou atrasado e acordou com esta certeza. No rádio tocava a trilha do seu coração.
Camila, sem tomar conhecimento daquele repente de amor, desligou seu telefone e resolveu que não teclaria. Gastou a segunda-feira estudando para a prova de Estatística, que mais tarde seria cancelada devido a uma terrível epidemia de conjuntivite, a qual garantiu cinco dias de aulas suspensas.
Sua mãe que a menos de três meses havia pegado catapora num desses surtos, achou melhor não arriscar a sorte; e antes mesmo que Camila apanhasse seu celular e pudesse ver as 28 ligações perdidas ou os 5 e-mails que Henrique tinha lhe mandado, Dona Walquíria já tinha embarcado com ela para a parte mais periférica do interior do estado, onde visitariam uns parentes que há muito não viam. 
(Erick Silva)
 Na manhã de terça, Camila ficou inconsolável ao perceber que naquele lugar estaria completamente incomunicável com o resto do mundo. Tentou de todo jeito achar alguém que a levasse até a cidade mais próxima para que pudesse ligar para seu namorado, contudo, aos olhos de sua mãe, todo aquele esforço confirmava apenas que sua filha estava levando aquele relacionamento a sério demais. Logo esses dias de afastamento acabariam lhe fazendo bem.
Em outras ocasiões, eles ficaram até mais de uma semana sem se falarem e era sempre Camila quem quebrava esta abstinência. Mas agora, a impossibilidade de contato foi tomando aspecto de desprezo, de abandono; num instante, Henrique começou a pensar nas possibilidades mais desleais, sofria o desespero de um coração que se afoga no próprio sangue. De tanto ligar e não ser atendido passou a prestar atenção em sua fala, no silêncio do outro lado, que se confundia com o eco de suas palavras. E criou um ódio por aquela aflição de chamadas sem retorno, aquela ansiedade causada pela dúvida de não poder saber se da próxima vez haveria resposta para o seu alô.
Camila acabou se conformando. Afinal, não devia satisfação a ninguém; mais de oito meses juntos e Henrique nunca assumiu nada com ela. Era um tosco. Se duvidasse, nem tinha notado sua ausência. Foi repetindo isso para si mesma que na sexta-feira beijou Cláudio, o melhor amigo do seu primo Nestor. No sábado, véspera de voltar para casa, não precisou mais pensar em nenhum álibi para justificar as carícias violentas que trocou com um outro rapaz, de quem não se preocupou em saber o nome. Finalmente tinha descoberto as maravilhas daquele admirável mundo velho.
Embora considerasse o cúmulo da pieguice, naquele domingo, Henrique mandou entregar uma carta-testamento para Camila, na qual dava explicações minuciosas, dizia que levaria consigo a melhor coisa que possuiu, fazia um monte de perguntas iniciadas com “porquês”, entre outras sentimentalidades típicas de corno.
Quando chegou ao último andar, já não sabia o motivo que o trouxera até ali. Saltou porque tinha dito que saltaria, mas se tivesse um jeito de pegar aquela carta de volta sem que Camila a lesse, então não morreria nunca mais.
_ “A gente morre de besta mesmo”, foi o último pensamento que passou pela sua cabeça antes do baque.
Camila ficou tão chocada com a morte de Henrique, que desde então, não há um só final de semana que não seja vista com seu vestido de viúva solteira, cumprindo sua penitência na roda de samba do Benega’s Bar.