sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Certeza é para os fracos

A norma que diz que toda regra tem uma exceção desconhece esta: a humanidade só percorre caminhos já trilhados.
Todos somos diferentes e livres ou livremente diferentes, tanto faz. Isso poderia ser, se não é, o slogan de uma marca de jeans, refrigerante, ou qualquer produto destinado à garotada esperta e àqueles que julgam ser esta garotada. Ser diferente é o que há. Vendem-se liberdades em litros, cilindradas, gramas, decibéis e inúmeras outras medidas, principalmente em outras medidas. Mas ser livre de quê? Diferente de quem?
A vida se sobrepõe a todo e qualquer regulamento e é isso o que faz dela sublime e cruel. Mas o senso de manada impera porque é bem mais fácil seguir o fluxo. Trouxas só andam em bandos.
(Ni Brisant - Retrato sem fotografia)
Somos uma colagem de múltiplos retalhos, não uma pintura. Ninguém inventou a gente. Não passamos de uma cópia borrada, que em nada lembra a matriz.
O anseio de dar um significado nobre à existência, de marcar sua passagem e encontrar um lugar ao sol, tudo isso ao mesmo tempo, se mistura com um turbilhão de neuras, como o quinto dia útil, os três quilos adquiridos, contas com o vencimento hoje, o corte de cabelo, enfim, cada um sabe dos seus demônios coletivos.
A Arte, a Ciência e outras áreas do legado humano mostram algo, que de, tão primário, chega ser grotesco: o básico é tudo. Toda invenção ou descoberta parte do princípio de algo que já foi criado e o transforma, acrescenta, discorda, supera. Sacadas geniais são tão elementares e simples, que quando nos damos conta, bate aquela revoltinha de “como ninguém pensou nisso antes.” Gênios costumam não ter noção, nem do que são. Certeza é para os fracos.
Há uma fornada fresquinha de mais do mesmo: Filmes que repetem fórmulas consagradas, livros com enredos batidos, músicas repletas de frases feitas e, admito, este assunto também é manjado. Ninguém escapa deste Déjá vu funesto.
Os símbolos que antes identificavam as minorias são produzidos em massa, e não dizem mais nada. Tatuagem se tornou o código de barras humano. Piercings e tatoos são produzidos em séries customizadas e ilimitadas.
É assustador ver a uniformização sendo construída sob o discurso da diferença. Igualmente diferentes, mesmo assim, solitários. Nunca houve tanta gente com este volume de coisas em comum, escutando as mesmas músicas, consumindo os mesmos produtos e se masturbando com as mesmas propagandas. 
(Flávia Barros - Rising)
Assumir a igualdade é revelar-se humano e admitir que estamos no mesmo barco, na mesma condição. Como todos querem ser especialmente diferentes, supervalorizam-se as duas características que os diferenciam e ignoram as outras cinquenta e sete que o tornam igual aos demais.
Percorremos o mesmo trajeto em vias paralelas. É claro que somos todos desiguais, só que temos mais coisas em comum do que queremos conhecer.
Já contei umas cento e tantas teorias diferentes, que dizem dar conta de responder o que é a morte, a vida e afins. Bem, prefiro deixar a morte em paz, mas quanto à vida, acho que esta é uma questão que cada um tem que descobrir por si ao invés de usar frases feitas por autores suspeitos. A vida é sempre o que a gente acredita, mas talvez ainda seja melhor duvidar.
A Humanidade é bem mais velha e careta do que se supõe. Mas ela esconde a idade só para tirar onda de mocinha nos livros de História. Afinal, é a juventude quem está na moda.
Infelizmente não podemos fazer muita coisa quando estamos diante das filas, da morte, da mediocridade humana e de alguém que teima em torcer pelo time adversário. Ainda assim, sempre existirão o tempo, a memória, os Clássicos e a Arte para nos libertar, pois se a barbárie pode contar com a ignorância, nós temos o imprescindível atrevimento de todos os sonhos do mundo a nosso favor e queremos mais.