segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Catando resíduos de amanhã

É aqui onde estou: agora.
Sincero como quem pede esmola durante a missa para beber. Uma velha cascavel que protegeu e chocou ovos o verão inteiro para ver nascer filhotes de pombo. O cara que pega grana com agiota pra pagar o almoço de sua namorada... e leva bolo. Como quando alguém desculpa nossos vacilos e atrasos, mas a gente não se perdoa. Alguém que viaja 74 anos luz para ver o show dos Stones e, na hora h, toca ultrage a rigor. O corredor que treina para disputar maratonas, mas vive entrando em corridas curtas. Como a primeira vez que uma mãe vê seu filho depois que ele morreu. Quando a gente ouve "no entanto" depois de um sim. Quando demorei esperando o momento certo de voltar, e no instante que me decidi, soube
que não existia mais pra onde.

E eu tinha o sorriso de um beijo de Virginia Wolf. Era a glória de um garoto recém saído da sala do diretor. Tinha tudo que tem uma menina enfrentando uma inesperada overdose solitária de amor puro. Todos os céus que uma montanha pode ser para a sombra.
 Eu era tudo que o Chile foi para a liberdade. 
Apontar os sete erros deste jogo não me fez melhor.
Estamos no mesmo barco, passarinho. Bote fé. Reine. E use esta âncora como guarda-chuva. 
 Por este brilho no seu riso – eu sei – você já foi longe demais. Coleção outono inverno de decepções e cicatrizes. 
Os socos, velórios, traições e falências só te fizeram mais rebelde, indomesticável, afetuoso e amigo de asteroides sabor morango.
Poesia é a pátria sem chão, onde piso agora. Esta noite, vamos dançar entre as constelações de flores, passarinho.
Já nos ferimos demais, meu bem. Sinta meu pulso. Este é o ponto. E que me importa?
É aqui onde estou: agora.






quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Bote Fé: Profissão Andarilho, 2015

Separar artista da obra não é preciso. Sentir também é impreciso. 
Criador do sarau ComplexCidade, o moço indaiatubano Bruno Peron produziu um livro com a marca da pressa destes dias. Romântica e com sede de bocas, sua primeira publicação foi feita para caber no bolso e proporcionar outras perspectivas do caminho.
O improvável virou ofício
Tanto quanto da observação, a poesia de Bruno nasce dos seus movimentos (e desconsertos) no mundo.
O poeta sabe que, diante da vida, apenas palavra não basta. Distribuir adjetivos, insultos ou reticências aleatórias também não dá conta. Vale mais o intangível. O sem nome é a busca.
Profissão Andarilho é uma biblioteca de um homem só - em expansão. Antologia de encontros, desejos, chamados e despejos.
Uma janela sem teto.
Peron espalha partes de sua história em cada página. E não se preocupa que lhe julguem fraco, lascivo, ingênuo ou campeão. (...)
Não há treino para esta viagem. Apronte suas asas e boa viagem. Procure saber.
Deixo aqui um poemeto pra lhe abrir o apetite. Ou não:
"Esquerdo
Escolheu um lado,
ficou com a metade

do coração." A releitura e esta resenha aconteceram sob o som dos discos:
- Selva Mundo, da Vivendo do Ócio
- Cada um tem o que merece, de Laranja Mecânica
- Quarto Mundo, de Fino Du Rap

Obs. Este é o Bote Fé, um projeto de mini resenhas de obras de autores vivos, que lançam livros nada convencionais.

Toda segunda-feira tem novidade na página:https://www.facebook.com/nibrisant/ 



sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

BOTE FÉ, Nícolas Nardi

"Isqueiro: fogão de bolso
Dedo: o braço da mão
Qubra-molas: a gravidez do asfalto"
Nícolas Nardi faz poesia parecer algo simples, fácil (não pobre, óbvio). A foto acima é dos fanzines que ele auto publica e vende por Novo Hamburgo-RS. 
Poesia barata, que te rouba um riso (e uma reflexão, de quebra) a cada página.
Além do conteúdo ligeiro, sarcástico e sagaz, os zines do Nicolas são feitos com zelo. Dá gosto guardá-los. E provam que não é a publicação de um livro (no formato tradicional) que batiza um poeta.
Perguntei ao músico Eduardo Dias o que ele pensava da obra do Nícolas: "achei a leitura bem tranquila, fácil, fluente. a coisa do cômico no tempo, os temas, a forma, as correlações...
os escritos me lembram aquelas palavras ditas por quem tem muita coisa em mente, juventude, ideias fervilhando, necessidade de expor, meio hiperativo (no melhor dos sentidos).
no fim das contas os escritos atendem à proposta que é do despertar no outro.
muito bom!"
Agora você ficou a fim de ler, né? Pois então... Vá ler gente viva. Antes que seja tarde. Emoticon wink Lidem com essa do Nardi:
"este livro não serve
para nada
mas se servir
de nada."


Procure saber mais e leia gente viva. Ou não.
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quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

BOTE FÉ, Vitamina

"cérebro, para de telefonar pros meus olhos!"
Esta fração do livro Vitamina não dá conta da imensidão que é Juliana Bernardo. Mas abre alas. E levanta suspeitas, que são mais bonitas que velhas certezas. 
Vitamina é um livro de versos-imagens-desvios-encruzilhadas e mais mais. Sutil sem ser sem sal.
Editado por Eduardo Lacerda (Patuá), prefere a intimidade dum buteco ao hermetismo padrãoAcademia.
Juliana vai costurando a gente com suas entrelinhas (intertextos) cor de sangue e ontem e paixão e.
Livro sem maiúsculas. Nem ponto final - nunca. Imita um rio que corre na direção do céu.
Emaranhado de textos relâmpagos e maratonas, Vitamina é seleção de um time de goleiras. Voadoras.
Perguntei ao poeta Victor Rodrigues o que ele pensava de Vitamina. Ele disse: Imagens!
Pois vá ver.
Por esta e tantas outras, vale procurar saber: "transbordar é uma bênção
transbordar é uma lição

meu reino por desaguar você"


Procure saber mais e leia gente viva. Ou não.

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Bote Fé: DizCrição

Com formato de bolso, este é um livro pra ser lido de uma sentada (40 páginas). E ruminar por umas semanas:
"Quem pensava achar num caminho uma bala perdida 
no exato momento que nada procurava?"
Miró, o poeta do alegrismo, é apresentado com intimidade e cuidado por outras entidades: Pezão (cofundador da Cooperifa) e Otília. 
Publicado em 2012, é essencial para quem quer desfrutar e refletir a poesia contemporânea. Textos curtos e ressonantes.
Ora desequilibrista. Ora profético. Ora sem relógio. Emoticon tongue
Miró não é unanimidade... Ele é a poesia em pessoa. Um caso em que dissociar autor da obra é tarefa para argonautas.
Sem misticismo. Miró se aproxima - cada vez mais - da poiesis. Sempre humano e palpável.
Quem circula pelos saraus de São Paulo (e outras quebradas) certamente já escutou alguém levantando um poema desse pernambucano porreta. E foi assim no último sábado no Sarauê (recital poderoso realizado em Parelheiros): um puxou um poema de Miró, depois veio outro e outro... Aí lascou!
Li aqui-agora pro meu vizinho Tonhão (75 anos) alguns poemas do Miró e perguntei o que ele achou: "Porra. Esse cara ainda tá vivo?" foi a reação.
De quebra-queixo deixarei estes versos do DizCrição pra você procurar ler mais depois:
"Finalmente onde é que vamos parar?
O policial perguntou
- tá indo pra onde, boy?
-estou voltando, senhor!
foi preso por desacato

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Workshop Poesia como Start Criativo

Próxima semana estarei em Poços de Caldas trocando ideias sobre poesia, publicações e mais. Para informações completas, clique aqui


quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

BOTE FÉ, Toda Via, (2015)

Obra de estréia de Michele Santos, divide-se em 5 capítulos - sobre a forma de conjunções adversativas: Entre/tanto, Com/tudo, A/pesar, Em/bora e Mas. Não por acaso, o livro é todo um emaranhado dramático d'um Eu Contradição.
Estética de miolos e torniquetes.
Vezes beirando o monossilabismo; outras com fôlego de Phelps. Nunca à toa. Aliás, há muito calcanhar em sua poesia.
Repleto de sinais (literalmente), o livro parece buscar o máximo que uma palavra pode dizer. E assim vai repartindo, cortando, esmiuçando cada sílaba, cada artéria dos fonemas.
Enquanto a maioria dos poetas contemporâneos baseia sua produção em temas jornalescos, causas sociais e modismos em geral, Mi optou pela contramão - fazendo bandeira de suas próprias vísceras.
Sua palavra é um caso à parte - mesmo. Não por inventar o som. Mas por ressignificar a voz de todo dia.
O livro tem projeto gráfico e diagramação do phodao Mixel Nogueira. E ainda conta com apresentação da poesia Janaína Moitinho.
Ah. Vou dizer mais não. Vá ler e procurar saber. Deixo vocês com este pedacin:
"Poemas são estratégias de fuga para tudo que não domino
cinema iraniano, domingos,
saber a hora de parar,
você."
*
Enquanto reli o livro e escrevi esta mini resenha tomei duas cervejas e uma para tudo café e escutei as bandas:
Infra Áudio
Camila Brasil
Vespas Mandarinas
Lou Reed

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terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

BOTE FÉ: Outro dia de folia, 2012

O trabalho quixotesco de Eduardo Lacerda à frente da editora Patuá tem resultado prêmios, arengas, chás de beber, tretas e muita literatura. Muita. 
Mas no meio editorial pouca gente sabe que, além de publicar e valorizar inúmeros talentos, Edu escreve. E sua pena é rica em intertextualidade, assonâncias e uma certa ginga manca de Adoniran.
Versos quebrados fazem pensar em outras alternativas para os poemas. Como se houvesse outro jeito de ser. Uma festa sobre LPs de Alceu Valença e Nando Reis.
Descompassos e dribles que remetem ao panteão dos orixás, citações bíblicas e livrescas (no melhor sentido), palavrões e uma melancolia ancestral - já anunciada na capa.
Edição e projeto gráfico de admirar. Fique aqui com um trecho e procure saber:
"Perco amigos
como
quem perde
dentes.

Como
quem
mastiga,
perco amigos

(E também os guardo.
deitados sob o sono do travesseiro,
à espera
de impossíveis
fadas)

Como quem guarda dentes que perde.
Como quem dói a noite inteira.
Como quem
os devora.
(...)"

Enquanto reli o livro e escrevi esta mini resenha tomei café e depois uma cerveja e escutei os CDs:
EP solto, de James Bantu
Vai na fé, de João Sobral
Dozicabraba, Emicida, Beatnick e K'Salaam
Alquimia sonora, de Viegas

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segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

BOTE FÉ: QUASE (um livro para crianças), 2015

"A poesia está guardada nas palavras - é tudo que eu sei. Meu fado é o de não saber quase tudo." Com esta citação de Manoel de Barros, o modelo-menino de Poços de Caldas, Daniel Viana, inaugura uma obra toda costurada por metalinguagens, desenhos-montagens e fantasia.
As ilustrações de Lígia Yamaguti dialogam e expandem a poesia. Como se houvesse cor para o silêncio...
Páginas em branco convidam o leitor a "aumentar" o livro. Fazem crer que livro é para brincar, de fato.
Como em seus trabalhos anteriores (100 contos por 10 contos trocados e Baseado em Causos Reais), Danie abusa da concisão, de parágrafos miúdos e lapidados.
Livro pra ler de uma sentada (tem menos de 50 páginas) e caminhar léguas com ele no coração.
Deixo o primeiro parágrafo de Quase aqui:
"Se um dia eu escrever
um livro para crianças,
ele será colorido
e de capa Duda.
Terá mais imagens que palavras."

Procure saber mais e leia gente viva. Ou não.
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Foto: Brisa de Souza