terça-feira, 16 de agosto de 2011

Tratado sobre o coração das coisas ditas

Acordo e me pego no abismo de sempre
com cicatrizes de alegrias forçadas no rosto
levanto para travar lutas de conquistas obrigatórias,
enquanto penso num modo de dormir em pé
evito a tentação dos acordos que a rotina
oferece para uma rendição pacífica e covarde
em seus cemitérios de cérebros e corações.

A vida ainda impõe identidades que não me servem
e para não ser vítima do meu próprio reflexo,
me invento na fuga diária do óbvio,
do tédio e deste vil destino volúvel;
e é aniquilando frases pré-fabricadas
que converto as ficções mais reais
em armas incendiárias de sentidos.

Escrevendo me aproximo de ser gente,
faço uso da coragem e dos sonhos que alimento
para crer numa improvável chance de dignidade
que me livre de meus vícios sádicos e impublicáveis,
defenestre toda timidez cabisbaixa e insegura;
transgressão que dê entendimento a quem quer saber
num tratado sobre o coração das coisas ditas.

Faço da palavra minha pátria, arte e coração.
Gravo estas insígnias no meu corpo e expresso
uma matéria legítima de liberdade e resistência,
o mais potente combustível capaz de mover:
funde sangue, punhos, suor e flores
para gerar uma energia tão infalível
que já não pode ser representada.

Feito idioma exótico, minha expressão é signo raro
compreendido apenas pelos imprescindíveis desajustados,
pelos manos mais intrépidos e necessários.
Meu manifesto é para quem tem algo a dizer,
quem ousa pensar na vida e segue combatendo
ainda que pareça derrotado e já sem forças para existir.
Luto contra toda opressão oficializada em máscaras de paz
e mesmo que abatido, eu não me rendo. Não me rendo não!

(Marcelo Gerace)