sábado, 26 de fevereiro de 2011

Diversão S/A

(Paulo SS)
Como num fetiche sadomasoquista, nos consolamos vendo a agonia alheia. As expressões artísticas mais contempladas sempre foram aquelas que expõem os mais baixos dramas humanos. Sofrimento e choro, aliados a sorrisos brancos e olhos claros, são os ingredientes garantidores de sucesso e boa audiência. Todo mainstream sabe que a beleza é essencial, mas deve ficar em segundo plano. A dor é a estrela.
Toda angústia traz em si algo de sagrado e belo, assim como todo sucesso é carregado de histórias de fracasso, e vice-versa. Somos selvagens com roupas de pele de grife.
Assistimos à nossa realidade maquiada de outra coisa e nem percebemos que estamos do outro lado da tela; se torcemos pelo mais fraco, não é por sermos bonzinhos. Queremos que vençam porque cremos que somos eles, nosso dia vai chegar, teremos nossa vez. Enquanto isso, agimos feito aves de rapina, com controle remoto nas mãos e fome da miséria que não conseguimos deixar de consumir.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Vaso no chão


(Marcelo Gerace)
Ainda que eu pareça não saber,
conte-me suas dúvidas
e descobrirá que penso igual.
Meu coração voraz
suportará tudo
que vier de nós.

Os corpos foram estendidos
na forma de vultos nômades
além da matéria pronta
quando tua luz subornou minha visão
tonando-a sua amante mais infiel
esta fiscal desonesta da bravura.

Nas noites em que formos dois
e nos permitirmos ser mais,
a vida não passará em vão.
Nosso mundo não acabará
quando o final chegar triste
e quase morrermos por nada.

Qual a sua Arte?

Tenho percebido uma campanha cada vez maior do “faça o que quiser, no fim dará tudo certo”. Tais comerciais são sempre estrelados pelos mocinhos “número um” de suas áreas, os ultra-mega-power-bem-sucedidos, que do fosso de suas conquistas, berram: “Tá vendo? Se desejasse de verdade, você não seria mais um. Seria o cara. Se eu consegui, qualquer um também pode chegar lá. Basta querer.” 
(Chosa)
Tais palavras não mostram os sacrifícios feitos para chegar ao topo, as lutas diárias e, sobretudo, não dizem o óbvio: nem todos podem ser “o campeão”. A exceção é tratada como regra porque ninguém quer ouvir, nem contar histórias de derrotados.
É muito fácil sair pregando um discurso libertário, no qual se despreza o chefe e outras aporrinhações cotidianas, quando se tem a garantia de uma conta bancária completamente blue.  Melhor ainda é viver deste tipo de balela, como fazem os Best Sellers de auto-ajuda.
A maioria das pessoas não faz o que gostaria e provavelmente nunca pagará suas contas com o suor vindo daquilo que lhe agrada. Não tenho nenhum prazer em me incluir nesta lista, mas é preciso ter consciência da nossa condição, mesmo quando ela não nos alegra.
Algumas questões têm roubado o meu sono e agradeço a quem puder dar qualquer pista no sentido de respondê-las:
O preço que pagamos por ser quem somos, é o justo?
A medida usada para calcular o sucesso, é a correta?
Por que só sonhamos com o que está longe?
Suspeito, mas não sei.

A necessidade é sempre a maior motivação. É ela quem nos faz acordar, abrir os olhos e cumprir aquelas obrigações detestáveis. Quase tudo que fazemos baseia-se na "precisão" de ser feito. E mesmo se não precisássemos de nada, inventaríamos. As criações mais inovadoras são feitas nos períodos de dificuldade, de maior aperto.
Certa vez, o líder do movimento Pop Art, Andy Warhol, disse que um artista é alguém que produz coisas de que as pessoas não precisam. Bem antes disso, o genial Oscar Wilde já tinha previsto que toda arte é absolutamente inútil. Contudo, o artista pode exprimir tudo, ele é o criador de coisas belas.
(Chosa)
O significado da palavra necessidade, usada por ambos, é o de emprego de algo para um objetivo concreto e estabelecido. Por exemplo, quando vamos almoçar, temos em mente que aquele alimento saciará nossa fome e renovará nossas energias. O mesmo não pode ser dito quanto a ler um livro ou assistir a um filme. Estas atividades não têm um objetivo exato, determinado e pontual, mas nem por isso são inúteis e desnecessárias. Pelo contrário.
A Arte é incapaz de agir sobre o mundo de uma maneira efetiva, pois pertence ao espaço do subjetivo, que embora tenha influência sobre nossas ações, nunca poderá consolidar nada por ela mesma. Qualquer Arte, por mais bela ou exótica que seja, dependerá sempre do indivíduo que a retém para ter sentido.
A busca por um significado puro e nobre para a Arte é um tema velho, mas muitos homens de valor têm contribuído para que esta, ainda seja uma discussão válida e pertinente.
Sempre acreditei que todos nós temos algo a dizer, a mostrar. Algo só nosso, mas que pode ser compartilhado com outras pessoas, sem que isso nos diminua. Mas que neste processo de comunhão, ao tomar contato com as diferenças, possamos perceber, nas sutilezas, a proximidade que existe entre cada um, ainda que distante. Penso que Arte é tudo aquilo que nos torna mais humanos, nos põe em contato com o outro, sem que precisemos nos perder de vista.
Arte é libertação. Mas toda liberdade se torna imprestável, se não houver outro grilhão para nos acorrentar. É preciso estar preso para encontrá-la, assim como é necessário ter coragem para exercê-la.

A nossa existência não pode ser só esse feijão-com-arroz de todo dia. Tem que haver outras respostas, ainda que possam parecer inúteis para alguns. Você já descobriu qual é a sua Arte, o que o liberta e o que o prende? 

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

O Grande Ni

Na distância dos seus 103 anos, o vanguardista Oscar Niemeyer sustenta uma sobriedade e disposição encontradas apenas nos grandes homens. E já não se deixa amedrontar pelo ostracismo ou pela falta de reconhecimento, os maiores inimigos de todo artista (só deles?).
(Ni Brisant - Centro de SP)
Ao contrário do que se pode pensar inicialmente, a longevidade e o prestígio de sua fama não estão garantidos somente pela matéria bruta e colossal de suas obras. Nos seus traços, o concreto se transforma em poesia. Seus edifícios não têm fim neles mesmos. Servem para morar, agradar os olhos e tantas outras finalidades que não se esgotam. Construções feitas para gente. Parecem desenhos de um planeta, em que a linha reta e outras caretices nunca existiram. Quando se observa bem suas criações tortas e, ao mesmo tempo, modestas, ninguém diz que elas nunca estiveram ali. 
 Seus projetos são, antes de tudo, duelos com o impossível. Feitos para que não esqueçamos que é preciso desafiar tudo aquilo que não podemos. Sonhar é algo tão legítimo quanto as nossas necessidades mais básicas, como beber e comer.
(Ni Brisant - Av. Paulista)
Precisamos começar a reconhecer nossos heróis (!) antes que a velha dama de preto o faça. Talvez Niemeyer não “precise” das nossas homenagens, mas nós precisamos dele. Carecemos da vida, que encontrou nas medidas certas, disfarçadas de inexatidão, o que há de mais belo e que tem nas curvas, aparentemente despretensiosas, pistas para um futuro mais atraente. 
Seus monumentos são, por eles mesmos, um elogio à humanidade. O inanimado que aplaude o vivo, contradição que não se explica.
Niemeyer é um homem com tempo próprio. Nos seus gestos se manifesta uma generosidade madura de quem fala por códigos, que parecem querer dizer bem mais do que a nossa compreensão é capaz de captar.
A vida é importante; a Arquitetura não é. Até é bom saber das coisas da cultura, da pintura, da arte. Mas não é essencial. Essencial é o bom comportamento do homem diante da vida. A gente precisa sentir que a vida é importante, que é preciso haver fantasia para poder viver um pouco melhor. Palavras bonitas, né? Mas não fui eu quem disse não. Foi Niemeyer!
Para conhecer sua poesia concreta, vida e façanhas, acesse: http://www.niemeyer.org.br/