sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Herança

Minha fé, que sempre exigiu provas para existir
tem agora no seu nome toda a esperança
nas coisas invisíveis, grátis e para sempre.
Revolução secreta, brusca e sem volta.

Fortuna dos meus dias de sorte,
bilhete milionário de loteria falida
cujos números foram cochichados
num sonho que vem de muito cedo.

Sendo o melhor agora, não tenha pressa de ser,
faça do tempo e da alegria seus melhores amigos
e eles lhe darão toda a manha, o ar e a coragem
que precisa para conquistar o que achar melhor.

A vida e o mundo não são bem como desejamos,
mas sempre valerá a pena lutar para que sejam;
siga seu coração, sonhe alto e nunca estará sozinha
sendo você, não haverá mal capaz de lhe atingir, nina.

(Flávia Barros - Concepção)











 

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Artefatos quebrados

Cartas postais chegaram atrasadas,
vieram com perguntas respondidas com outras
e saudades tão antigas que fizeram esquecer
que o teu amor nunca foi só meu.
(Marcelo Gerace)

Livros em branco guardaram em sigilo
tempestades nascidas no chuveiro
e monólogos que nunca foram ouvidos
de utopias mal contadas e sem governo.

Murais testemunharam mudos
O dia em que artefatos quebrados
expulsaram meu nome dos cels.
e as mudanças deixaram tudo igual.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Brisa

Dentre todas as coisas que existem, o mar é a segunda mais plana, profunda e volúvel. No lugar mais alto deste pódio, está o céu. São os dois terrenos mais inconstantes, logo, são os mais perigosos. Pisá-los exige, além de cautela, estar bem acompanhado, sempre. Aeronautas e marinheiros, embora possuam as maiores cicatrizes, nunca desobedecem tais regras, por isso são também os que têm as melhores histórias para contar.
Céu é o irmão gêmeo mais velho do mar. Filhos órfãos do casamento impossível entre o infinito e a beleza, herdaram os traços mais graves e sinuosos de seus pais. No céu moram as perguntas que nunca serão respondidas, a ignorância mascarada de certeza. É lá que se esconde tudo aquilo que não alcançamos com as mãos, mas que nos fazem sonhar ainda mais longe.
Todavia, tanto o céu quanto o mar são perfeitos para transcender, deixar o pensamento sumir de vista e abrir os poros da mente, até conseguir pensar em nada. Usar apenas os sentidos para perceber o mundo, abrindo mão dos truques racionais aprendidos nos bancos da escola. Quem se diz incapaz de "ir além" ao encarar um deles ou de se emocionar ao presenciar qualquer outro fenômeno igualmente soberano não tem autoridade para falar da vida e suas graças. É como ler uma carta de amor endereçada a você e no meio do texto constar o nome de um terceiro elemento... Enfim, não dá para levar a sério este tipo de gente desinfeliz.
O mar, por sua vez, sempre esteve ali, horizontal e supremo. Com suas próprias leis, mantém intocáveis seus encantos, afrontando tudo que é sólido. Num ritmo de cadência e cólera, que ordena contemplação silenciosa, o mar nos afasta do que somos, livrando-nos das certezas agendadas. Se ele fosse gente, seria adolescente entrando na maturidade, com fúria, saliência e atrevimento. Seria magnata, com bens indeclaráveis, mas que nunca cairia na malha fina do imposto de renda. Ou talvez fosse mochileiro universal e clandestino. Enfim, o mar é pai das inspirações mais aleatórias e bonitas que alguém pode cantar.
Na próxima vez que for à praia, faça o teste, entre até que a água molhe seu umbigo, aí, grite com toda a força de um jeca: "Vem ni mim, mar!". E se prepare, pois ele virá como um rei que nunca deixa de visitar seus domínios. Ondas são engrenagens desgastadas e rangentes, com motor de última geração. Todas as teorias científicas sobre elas, parecem conto do vigário. Explicar é prender, limitar. Sendo assim, melhor deixá-las assim, com seus efeitos embasbacantes.
De volta à terra
Ainda com os pés na areia, conversei com meu amigo Damásio sobre como deve ser a vida de quem mora com vista para o mar. Naquele momento, só vimos vantagens, mas depois de pensar direito sobre esta resenha mudei de opinião e vou explicar logo isso antes que algum "caiçara branquelo" ache ruim.
Suspeito que quem já se acostumou a ver o mar todo dia, talvez nem consiga mais se deslumbrar diante do irmão do firmamento. Afinal, rotina é anestesia, lente embaçadora, inimiga das cores, dos sabores, odores e (só para não quebrar a rima) dos amores.
É difícil não se contaminar pela mesma frigidez que atinge os "testadores" de montanha-russa, que de tanto andar nestes brinquedos, nem sentem mais aquele frio na barriga e percorrem os trilhos bocejando, entediados.
Fenômeno idêntico tem assolado redações, congelado corações de jornalistas, principalmente os mais veteranos, que julgam já terem visto tudo que a vida pode mostrar e não se surpreendem com mais nada. Para eles, tudo é trivial, nada é digno de capa.
O lado perverso do cotidiano age tanto no silêncio quanto em meio às buzinas, adormecendo os sentidos, entorpecendo os sonhos. Entre "bons dias" e "boas tardes", vai transformando coisas formidáveis em lugares comuns. A mira desta epidemia está sempre apontada para os relacionamentos: namoro, casamento, amizade e tico-tico no fubá. A monotonia arranca a graça até das coisas mais fabulosas, fazendo com que os sentidos passem a ignorar tudo aquilo que antes os aguçavam. Profissões e companheiros, até então, "desejáveis" e de causar inveja a todos os outros mortais, se tornam obrigações diárias, cruzes que pesam tonelada e meia. Ninguém está imune. E todo cuidado é pouco! 
Já faz tanto tempo que apagaram as luzes, que até esquecemos os tons das verdadeiras cores do mundo, nem nos damos conta de que não fomos feitos para a escuridão e o cinza já não agride mais nossos olhos.
Outro arqui-rival da felicidade é o preconceito, signo do zodíaco que muitos desconhecem pelo qual é regido, enquanto outros, simplesmente negam seu poder e existência. Assim como nome de batismo, ninguém escolhe os preconceitos trazidos de berço, embora isso não sirva de desculpa para permanecer com eles. Ao contrário da rotina, que consome e satura, preconceito é um "queima largada" preguiçoso e desleal, que impede de ir além da primeira impressão, já sai classificando as coisas e pondo rótulos que só maltratam.
É óbvio que não dá para ficar agindo feito palerma, se "chocando" ou rindo de tudo que acontece ao redor. Mas não é disso que estou falando. Até porque, ninguém suporta gente "feliz para sempre" nem constantemente espantada. Contudo, também não creio que o "meio-termo" seja a solução. Se pudéssemos ainda acordar a curiosidade sapeca da criança que fomos, talvez restasse alguma chance. Mas como despertá-la a esta altura?
Todo o mal reside nesta imposição de entorpecentes eternos, no tapa-olho e cala-boca que nos são prescritos diariamente em troca de salários que se confundem com subornos. Hábitos cancerígenos que cercam os sofás da sala com grades invisíveis e vão tomando o restante da casa sem avisar. 
Bom mesmo é ter consciência do que se faz e poder escolher por exemplo, entre se "dopar" tomando uma cerveja e ficar legal ou beber um copo de água e se manter hidratado e careta. Entre outras coisas, ser livre é saber as vantagens e infortúnios das decisões que tomamos e mesmo assim não deixar de tomá-las. Não nos permitir sermos dominados pelo ostracismo, pela anestesia que chega mensalmente de brinde junto com as contas.
A prisão é tão opcional quanto a liberdade. Contudo, para ser feliz são necessárias alguma ação e ousadia, ao passo que, para ficar preso basta se deixar levar e pronto. Ninguém está a salvo do pior e se a vida é isso aí, então abra os olhos, parta para cima e viva tudo, mesmo.

* Fotografias de Ni Brisant.

domingo, 16 de janeiro de 2011

A Terra não é nossa

Não é de hoje que o mundo está para acabar. Já até agendaram data, horário e mandaram comprar a pipoca. Enfim, todo ano é o mesmo trote. 
Faz tempo que falar sobre a extinção do planeta deixou de ser assunto exclusivo das rodas de hippies e ecologistas. Contudo, a maioria das religiões e, mais recentemente, a ficção científica, vêm fazendo fortuna anunciando o apocalipse e seus sintomas. Publicitários com uma criatividade apavorante não mostram nenhum indício de cansaço na exploração do tema, por mais batido que ele pareça.
Toco neste assunto mórbido porque quando estava assistindo às mais recentes catástrofes do dia, de repente um velho medo infantil veio à tona: e se o mundo acabar mesmo?
Confesso que trago este cagaço ainda dos tempos de moleque quando os mais velhos gastavam horas discutindo sobre como seria o apocalipse. Defendiam, com muita saliva, cada teoria mais biruta que a outra e só concordavam em duas coisas: o fim só podia estar próximo e ninguém escaparia. 
Na época eu levava tudo isso muito a sério e escutava intrigado, fantasiando fins trágicos, com muita água, fogo, monstros cheios de dentes e outras combinações improváveis.
Aquelas conversas sinistras ficaram grudadas na minha memória, conforme o tempo voava, ia aumentando a sensação de injustiça perante a vida. O mundo ia acabar logo na minha vez de andar nele. Logo, toda descoberta tinha sabor de saideira.
(Ni Brisant - OVNIs)
Pode parecer piegas, mas para mim era mais ou menos como esperar durante dias na fila da bilheteria e bem na vez de comprar o ingresso para o melhor espetáculo do universo, a moça do caixa dá um sorrisinho de canto de boca e baixa a placa: INGRESSOS ESGOTADOS. 
Esta neura acabou um dia, quando ainda era pequeno e fui pescar escondido com meu amigo Jailson, num riacho longe de casa. Na volta nos perdemos no meio do mato e depois de termos "canelado" muito, paramos para descansar e comermos o resto da merenda. Depois de matar quem tava nos matando, ele se levantou e quase chorando, disse: "Rapaz, o cabra não pode se danar sem ter agarrado nem que seja uma mulher. Vambora, que eu não quero morrer aqui não!"
Hoje, rimos muito ao lembrar esta aventura, mas no fundo, ela representou um divisor de águas na minha maneira de enxergar certas coisas. Dentre elas, percebi que não teria uma "morte coletiva", como pensava até então, e que o meu mundo poderia acabar sem que, necessariamente, o dos outros fossem afetados. Olhei a vida como algo bruto e tosco, sem consistência definida. Mas de uma coisa eu estava certo, ela jamais toleraria meus vacilos.
Depois disso, perdi muitas noites de sono, tentando "agilizar" o primeiro beijo e outras façanhas. Não era mais o fim do mundo que me assustava, era a vida, a solidão. 
Estes anos de estrada me deixaram cheio de certezas vãs, como tudo que é certo. Uma delas garante que o mundo não irá acabar pelo menos não como os profetas abutres vivem pregando.
Temos nos acostumado com cada coisa absurda, que nem somos capazes de ver além da superfície. Por exemplo, ninguém mais se alarma ao ouvir que a humanidade é a maior praga do planeta. Ora, pode parecer bobagem, mas nesse tipo de discurso reside uma significação que vai além do jogo de palavras. Não quero ter que achar normal ser igualado a um parasita. 
O senso de propriedade já está tão impregnado que a maioria trata a Terra como se fosse uma casa da qual é dono e não inquilino. É um disparate esculhambar uma moradia, a qual, se sabe, será a residência de toda a sua descendência. Claro, suspeitam da existência de outras casas disponíveis para alugar, mas nenhuma delas oferece o conforto, nem o precinho que pagamos para morarmos aqui, além do que, já estamos acostumados com os vizinhos. Aproveitando a metáfora, tem gente mais preocupada com o quadro da sala do que com o vazamento do banheiro. E outros ainda querendo tocar fogo nessa bagaça.
Nos últimos janeiros a Terra andou com aparência esquisita, febre e outros sintomas de tirar sono e fôlego. Embora possua suas próprias armas para se defender de gente como nós (ou não), o planeta continua dando suas voltas, ocupando espaço. Esta perspectiva não me consola, mas me faz crer que o mundo nunca terá fim, somos nós quem corremos risco. A Terra não leva mais desaforo. Ame-a ou deixe-a!

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

07:55 AM

(Paulo SS)
O dia estreia com trilha sonora desafinada
impondo sua claridade em tons violentos
arrasa o sono, essa morte-mal-matada.

O mundo já está com os pés no chão
quando a luz domina a inconsciência
obrigando a desabotoar os olhos.

O teto lembra partes de um sonho
com realidades há muito esquecidas
que fazem do relógio objeto ridículo.

Como sorriso mecânico de ex-banguela,
que só ri para mostrar seus dentes falsos,
o impulso do atraso movimenta a vida.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Gravidade suspensa


(Marcelo Gerace)
Atravessei frio e seca
sem ter motivo para abrir a boca
e o osso só a dureza da pele cobriu.

Tanta tirania revoltou a minha ira
e a morte pareceu ser a única peça
capaz de confortar e vestir bem.

Incinerei dúzias de contratos escrotos
que ditavam regras estúpidas
e sem validade expressa.

Bem querer foi peso sem medida,
espelho que ignorou seu reflexo,
cofre onde tudo coube, nada sobrou.

No peito a batalha ainda continua violenta
pois o tempo não estancou a tristeza,
nem pagou o tributo ordinário do pesar.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Estilhaços no tapete

(Paulo SS)
Juro só prometer o que posso cobrar de mim
mas continuo matando um coração por dia.

Finjo que minto
quando digo o que quero.

Te machuco com diversos
depois me firo sozinho.

Falo sério sorrindo
tentando evitar conflitos.

Sigo sempre adiante
sem deixar meus erros para trás.

Peço desculpas sem perdão
antes que o remorso me apanhe, me bata.

Mas tua ausência desespera o desatino
e minh’alma já não consegue se enganar.

* Texto também publicado em: Livre Fanzine

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Jogos de Guerra


(Paulo SS)

Intrigas revelam desencantos
dilaceram os olhos,
mostrando que antídoto
é o veneno dos fracos.

Sonho psicodelias
enquanto você raia
sem se esgotar
em viagens astrais.

Sempre vence
nunca sacia.
Lutaremos então
até nos consumir.

A Crítica Caduca

A crítica de Arte, um dos ofícios mais inúteis e dispensáveis, nasceu das necessidades caretas de organizar, classificar e dar nome às coisas. Mas
logo as mídias (sobretudo os jornais) perceberam a oportunidade de aumentar seus faturamentos em cima de um público que precisa que alguém lhe aconselhe, por exemplo, se o filme que quer assistir vale uma pipoca ou um milharal.
A maioria dos críticos são degustadores que não sabem cozinhar, mas se sentem com toda autoridade para julgar a qualidade dos pratos alheios.  São fabricantes de rankings caducos e perecíveis.
(Ni Brisant - Audiência)
É muito manjado sair distribuindo adjetivos aos clássicos, repetindo elogios que os cânones estão exaustos de receber. Parece que não se pode levar a sério algo do nosso tempo, underground. Como se só merecessem atenção os artistas que ocupam bancos nas academias e colecionam prêmios patrocinados.
Artista vivo dá trabalho, a qualquer momento pode mudar de estilo, virar evangélico ou simplesmente decair. Por isso que a crítica adora os mortos, afinal, basta tachar um rótulo pomposo neles e não se fala mais nisso.
Por outro lado, as novidades são inimigas da crítica porque toda vez que surge uma obra diferente (fato raro) é preciso rever conceitos, buscar um padrão para enquadrá-la e condenar se ela é a melhor ou pior. O novo sempre acaba resumido ao sufixo “pós”, tudo é pós alguma coisa e pronto.
Assim como as ciências e a polícia, a crítica está sempre correndo atrás do prejuízo, do leite derramado. Vive tentando criar teorias e regras que expliquem fatos, manifestações e fenômenos há muito passados.
Mas o tempo é um rei imparcial, e também o mais honesto teste de qualidade. A Arte que quiser ser considerada como tal, precisa passar por ele por conta própria, sem jabá, sem padrinhos.
Ao contrário dos analistas supérfluos que supervalorizam os pontos negativos e simplificam as qualidades só para que eles próprios se sobressaiam em relação ao objeto de estudo, preciso reconhecer a importância do papel que a boa crítica tem desempenhado para a evolução da Arte.
Conforme já disse, todos nós somos seres-juízes, mas para ser um crítico profissional é preciso muito mais do que saber achar defeito nas composições alheias. Além de conhecer todo o funcionamento das engrenagens, é necessário que haja um amor pela Arte maior do que ao seu próprio ofício. Pois no julgamento de qualquer manifestação artística, o sentimento é um critério tão relevante tanto quanto a técnica.