Dentre as muitas descobertas que fiz nesta regressão através de antiguidades seminovas e afins, encontrei uma foto da minha turma da escola. O tempo me fez muito bem, esta a primeira coisa que me veio à cabeça quando me vi estático naquela relíquia desbotada, com uma cara de quem não sabe que cara fazer. A foto está bem acabada, mas é clássica, e como tal, foi montada no estilo time de futebol, uns agachados e outros em pé, com direito a chifrinho e tudo.
Mas chega de nhén-nhén-nhén e vamos direto ao recheio. Ocorre que eu não consigo reconhecer duas pessoas que estão no retrato. No verso tem o nome de cada um, mas aqueles simplesmente não me dizem nada. Ruminei muito sobre isso até chegar a um arremate. E contei esta fábula duvidosa para que entenda a conclusão que virá: Se existe um jeito garantido de passar pela vida sem ser notado, basta ser uma pessoa medíocre.
Honestamente, não consigo me lembrar daquelas caras. Mas tudo indica que deviam ser daqueles que nunca pagaram mico, nem arrumaram sequer uma treta, só que também nunca estiveram perto de ser os nerds ou a galera descolada da escola. Enfim, ficaram o tempo todo em cima do muro.
Mas pera lá, não confunda timidez com mediocridade. Na roda de piadas, por exemplo, os tímidos riem, enquanto os medíocres fazem cara de bunda. Ah, e outra coisa, o termo medíocre quer dizer médio, mediano, sem graça mesmo.
Do malandro ao certinho, cruzamos com os tipos mais variados de gente ao longo da vida. Lembramos delas pelos extremos, seus defeitos ou qualidades, nunca pelo seu aspecto meio-termo. Para cada categoria de pessoa, existem incontáveis subdivisões. Por exemplo, há o folgado carismático, o folgado sem causa e por aí vai. A seguir, citarei alguns subtipos de medíocres, naturalmente, nocivos e dispensáveis.
Medíocre eclético é o boa-praça, que quer se dar bem com funkeiros e baianos. Por trás do discurso da boa-vizinhança se esconde a falta de gosto, de qualquer critério e uma carência mórbida de quem quer ser amado e aceito por todas as tribos. Não cola esse papo de que eclético é o cara sem preconceito, que está sempre aberto a novas experiências e tal. Somos seres-juízes e julgamos, instantaneamente, tudo. Por isso, fico com o pé atrás com pessoas que dizem gostar de tudo e de todos.
Medíocre é o corno manso que sabe da traição e finge não saber só para não precisar dar uma lição no Richard, bancar o macho e largar a tal. É quem leva desaforo para casa todo dia e nem se atreve a se revoltar. Não se manifesta nem diante das alegrias, nem dos infortúnios.
Há também o politicamente correto que é o bom moço super tendência. Não fuma, não bebe nem chupa bala com açúcar. Adora dizer que as coisas são relativas, porque tudo é relativo mesmo e não dá para discordar. Ora, mas não existe nada mais insuportável do que alguém que quer estar sempre com a razão.
Não nascemos para passar ilesos pela vida, sem sangrar. É necessário dizer a que viemos, ainda que sob o risco de estarmos errados. Erros e acertos são tão pontuais quanto a fome. Tentar retardá-la vai te deixar parecendo um urso panda. Tentar viver harmoniosamente vai te transformar num 0.
É óbvio que o equilíbrio e a diplomacia são indispensáveis na vida em sociedade, mas veja bem, tem horas que a gente precisa discordar, indignar-se mesmo.
A mediocridade é a irmã caçula da ignorância, da alienação e do silêncio turvo que nos ameaçam. É muita burrice não fazer uso de outras possibilidades, anular-se no vácuo de estatísticas erradas.
Viver já é arriscado por si só e talvez nem venhamos a ser grande coisa, mas não é isso que importa. No final das contas ou depois da saideira, o que vale mesmo é ser lembrado. Portanto, encare a lente, faça sua melhor pose e mostre quantos dentes for capaz.
* Ilustrações de Marcelo Gerace, da série Metáforas intrínsecas.
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