segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

A verdade não interessa

“Eu não quero ter razão, eu quero é ser feliz!” Na distância dos seus 80 anos, Ferreira Gullar resumiu assim sua ambição perante a vida. Tal frase ecoou em vários meios e foi tratada como ofensa, um escândalo entre os intelectuais de escritório. Segundo dizem, alguém da estirpe de Gullar não pode abrir mão da verdade feito adolescente que foge de casa para ir morar com a namorada.
O embate razão versus felicidade é dos mais duros e antigos, mas a declaração de Gullar, quando tirada do seu contexto original, revela bem mais que um sintoma do egocentrismo dos nossos dias, mostra uma profunda ignorância e desinteresse por tudo que é alheio.
Este "tô nem aí" reflete a frustração daqueles que ousaram acreditar na vitória da civilização contra a barbárie, mas cansados desta guerra sem fim, estão abandonando a batalha e indo viver suas vidas. Embora este seja um dos poucos exércitos em que valha a pena se alistar, ninguém quer lutar por algo que se distancie do seu umbigo.

(Paulo SS)
Por outro lado, certos pensadores burocratas vivem gritando como devemos viver, amar e nos portar diante de cada situação. Reduzem todas as necessidades e ideais de uma geração a uma fórmula matemática, uma receita de bolo. É muita petulância se atrever a ditar o que os outros precisam, querem e principalmente, o que os farão felizes. Vendem segredos (secretos?) para todos os males, feito aquelas garrafadas que combatem desde unha encravada a inveja.
Há coisas que têm fins determinados, estabelecidos e definitivos. Por exemplo, toda empresa tem como único objetivo gerar lucro e qualquer coisa que se diga além disso é mera retórica. Portanto, quando uma instituição gasta cinco reais em ações beneficentes, com certeza irá investir, no mínimo, cinquenta para divulgar este gasto e revertê-lo em lucro. Ou seja, toda ação empresarial, mesmo as aparentemente sem interesse, têm como missão o ganho. Só que nós não somos, pelo menos não deveríamos ser, tão óbvios assim.
É muita ingenuidade pensar que estamos aqui somente para sermos felizes, dar risada e fazer o bem. Somos poços profundos; e até agora ninguém conseguiu dar uma resposta satisfatória quanto à razão da nossa existência. Por outro lado, parece que querer ser feliz tem que nos desobrigar de todo o resto. Como se quem busca a felicidade tivesse que se tornar um bobo risonho. Não se pode querer ser feliz e engajado ao mesmo tempo. Felicidade virou (só agora?) sinônimo de poder aquisitivo, boa saúde e sobretudo alienação.
A seção de autoajuda é a mais desesperada, embora se considere capaz de mostrar o caminho para a felicidade em 10 passos tão simples que qualquer um é capaz de executá-los. Mas como todo manual de instruções, não demora muito para se ver a impossibilidade de colocar em prática tudo o que ele exige.
(Tigão)
Faturam alto, porque a maioria não quer se dar ao trabalho de pensar, terceirizam suas vidas como um cara de 35 anos a quem a mãe ainda escolhe a roupa que ele irá usar. Imbecilidade dá náuseas.
Entediados carentes se entorpecem com ideias e programas tão vazios que não se sustentam diante de uma breve reflexão. Quem conseguiu terminar um livro de autoajuda pode se considerar especialista no assunto. Não sei quem inventou o primeiro, mas todos são, basicamente, uma sucessão de plágios.  
Todo dono de bar sabe que sua mercadoria é mais interessante que aquela que a universidade mais próxima tem a oferecer. Prova disso é a evasão das salas de aulas todos os dias (antes era só às sextas) na procura por algum entorpecente gelado ou fumegante. Aquela balela que contaram sobre a verdade libertar a raça está mais por fora que gíria de novela das oito. A verdade não interessa.
Ah, mas não cheguei até aqui para dar receita de ano novo feliz, de como realizar-se profissional ou pessoalmente e muito menos de como se superar, vencer na vida e coisa e tal. Ninguém consegue se dar bem o tempo inteiro, mas a maioria ainda não caiu na real e fica desesperada, tentando ser feliz a pulso, a todo instante.
Mãe alguma ensina ao seu filho algo que lhe pareça ruim, pois além de não querer o seu mal, sabe que o mundo é quem se encarrega de mostrar o que não presta. Partindo daí, penso que não devemos nos preocupar tanto com os infortúnios, pois o modo como chegamos ao outro lado depois de superá-los é o que faz toda diferença, preservando o que há de melhor em nós e desfrutando as boas coisas, pois do sofrimento, a vida já se encarrega.
No final, tanto a certeza quanto a felicidade são bênçãos solitárias.  Mas se assim como Gullar, estivermos certos do que queremos, já é um excelente começo.

Um comentário:

  1. Eu tambem, não quero ter razão, eu quero é ser feliz!!!! Sei que não é possivel ser feliz todos os dias, mas vou fazer possivel para ser feliz pelo menos 90% da minha vida :-)

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