terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Gravidade suspensa


(Marcelo Gerace)
Atravessei frio e seca
sem ter motivo para abrir a boca
e o osso só a dureza da pele cobriu.

Tanta tirania revoltou a minha ira
e a morte pareceu ser a única peça
capaz de confortar e vestir bem.

Incinerei dúzias de contratos escrotos
que ditavam regras estúpidas
e sem validade expressa.

Bem querer foi peso sem medida,
espelho que ignorou seu reflexo,
cofre onde tudo coube, nada sobrou.

No peito a batalha ainda continua violenta
pois o tempo não estancou a tristeza,
nem pagou o tributo ordinário do pesar.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Estilhaços no tapete

(Paulo SS)
Juro só prometer o que posso cobrar de mim
mas continuo matando um coração por dia.

Finjo que minto
quando digo o que quero.

Te machuco com diversos
depois me firo sozinho.

Falo sério sorrindo
tentando evitar conflitos.

Sigo sempre adiante
sem deixar meus erros para trás.

Peço desculpas sem perdão
antes que o remorso me apanhe, me bata.

Mas tua ausência desespera o desatino
e minh’alma já não consegue se enganar.

* Texto também publicado em: Livre Fanzine

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Jogos de Guerra


(Paulo SS)

Intrigas revelam desencantos
dilaceram os olhos,
mostrando que antídoto
é o veneno dos fracos.

Sonho psicodelias
enquanto você raia
sem se esgotar
em viagens astrais.

Sempre vence
nunca sacia.
Lutaremos então
até nos consumir.

A Crítica Caduca

A crítica de Arte, um dos ofícios mais inúteis e dispensáveis, nasceu das necessidades caretas de organizar, classificar e dar nome às coisas. Mas
logo as mídias (sobretudo os jornais) perceberam a oportunidade de aumentar seus faturamentos em cima de um público que precisa que alguém lhe aconselhe, por exemplo, se o filme que quer assistir vale uma pipoca ou um milharal.
A maioria dos críticos são degustadores que não sabem cozinhar, mas se sentem com toda autoridade para julgar a qualidade dos pratos alheios.  São fabricantes de rankings caducos e perecíveis.
(Ni Brisant - Audiência)
É muito manjado sair distribuindo adjetivos aos clássicos, repetindo elogios que os cânones estão exaustos de receber. Parece que não se pode levar a sério algo do nosso tempo, underground. Como se só merecessem atenção os artistas que ocupam bancos nas academias e colecionam prêmios patrocinados.
Artista vivo dá trabalho, a qualquer momento pode mudar de estilo, virar evangélico ou simplesmente decair. Por isso que a crítica adora os mortos, afinal, basta tachar um rótulo pomposo neles e não se fala mais nisso.
Por outro lado, as novidades são inimigas da crítica porque toda vez que surge uma obra diferente (fato raro) é preciso rever conceitos, buscar um padrão para enquadrá-la e condenar se ela é a melhor ou pior. O novo sempre acaba resumido ao sufixo “pós”, tudo é pós alguma coisa e pronto.
Assim como as ciências e a polícia, a crítica está sempre correndo atrás do prejuízo, do leite derramado. Vive tentando criar teorias e regras que expliquem fatos, manifestações e fenômenos há muito passados.
Mas o tempo é um rei imparcial, e também o mais honesto teste de qualidade. A Arte que quiser ser considerada como tal, precisa passar por ele por conta própria, sem jabá, sem padrinhos.
Ao contrário dos analistas supérfluos que supervalorizam os pontos negativos e simplificam as qualidades só para que eles próprios se sobressaiam em relação ao objeto de estudo, preciso reconhecer a importância do papel que a boa crítica tem desempenhado para a evolução da Arte.
Conforme já disse, todos nós somos seres-juízes, mas para ser um crítico profissional é preciso muito mais do que saber achar defeito nas composições alheias. Além de conhecer todo o funcionamento das engrenagens, é necessário que haja um amor pela Arte maior do que ao seu próprio ofício. Pois no julgamento de qualquer manifestação artística, o sentimento é um critério tão relevante tanto quanto a técnica.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

A um certo Carlos

Prezado Carlos,
Jamais saberás quem sou, mas eu te conheço bem e isso basta!
Tuas palavras me tiraram do lugar, me ajudaram a chegar até aqui com a energia e sentimento de quem não se acovarda ainda que diante de frequentes exposições às mais altas velocidades ou às piores ameaças. Mostraram alternativas e tantos mundos, que de tão extraordinários, não cabem.
Mas Drummond, de vez em quando sua Arte ainda cisma em escapar do meu entender. Teu esclarecimento é a profundidade do universo; e perto do teu oceano, minha maturidade ensaiada não é capaz de completar um copo d’água.
(Ni Brisant - Impressões do campo)
Há muito que pressinto tua existência e suspeito minha verdade nos teus códigos. Neles reside a síntese do que sou, do que sei e ignoro.
Carlos, dia desses, num ímpeto arrebatador, gravei tua caricatura em minha pele. É justo que depois de tudo eu te traga comigo. Agora que teus traços estão grudados na minha superfície, vou descer à periferia do centro da cidade para beber com nossos camaradas, cantar boas coisas e descobrir que somos mais felizes do que podemos pensar.
É verdade, ainda há uma pedra no caminho, mas hoje te carrego do lado esquerdo, onde está tudo que existe de melhor em mim. Não há perigo, Drummond!
Penso em reunir meus amigos mais raros para fazer um livro que se aproxime dos teus. Uma obra que fale de todas as nações enquanto descreve minha aldeia, que mostre a essência do coração a quem só conhece o cheiro do sangue e que revele aos assalariados toda a graça de uma quinta-feira ociosa no parque. Um livro tão simples, que faça meus companheiros apontar-lhe as falhas e meus algozes aplaudir a estética. Criarei um iceberg para afundar os navios de banalidades carregados de submissão e dor; algo que faça minha mãe chorar e minha filha rir.
Usarei minha expressão para compreender a linguagem dos sonhadores fechados em disfarces de cidadãos comuns; Minha busca será o oráculo dos que ainda não aprenderam a interpretar a sabedoria do silêncio, nem o amor de um abraço amigo.
Carlos, meus manos estão comigo, estão todos bem! Enquanto noticiam nossas mortes em outdoors, já estamos disputando outras guerras e escrevendo a história do nosso tempo. Não há perigo, Drummond!