quarta-feira, 4 de maio de 2016

Auto defesa de afetos

Saiu de casa
sem ter de quem se despedir
Como uma tenista cearense 
vai ao parque sem sua mochila: está nua
e sem pantufa

Olhou para os ombros
e abriu a mão
como se pudesse tocar o aroma do panetone
nos calos das rugas da retina de um recém-nascido

Quis fazer um poema
Não destes da moda, que falam sobre revolução, coisa nenhuma e tal
Como uma miss discursa sobre a África, sustentabilidade e a importância do KY para o swing mundial. Mas só poderia acreditar em um poema que fosse mais exposição que um nu frontal da alma 
e tão silêncio quanto um sim 
antes do final.

Tirou a maçaneta do cílio
e fez greve de futuros
Como quando o silêncio não encontra a sílaba do fim
E encerra a treta querendo dormir com seu ímpar

O crepúsculo te ensinou cedo:
as coisas que pesam são matéria de balança
as que flutuam, do mar
e as que faltam são parte do que mais guardou

Fez pole dance
no pescoço de um elefante (disfarçado de rato)
como uma planta esmaga a bota de um militar
no centro do pregão da bolsa

E
Ainda assim
não pôde (nem sabe como)
pedir sem querer milagre
Que as coisas sejam
Melhores
Como nunca.

O cinema de palavras de Cidinha da Silva

Literatura é quando uma história nos convence de que a realidade pode ser outra(s), algo acima dos sonhos e das mazelas cotidianas. Não uma esperança convicta e anunciada, mas uma rachadura no muro de uma rua sem saída – para alguém que precisa chegar do outro lado. No entanto, literatura não é só isso.
Cidinha da Silva chega ao seu nono livro com o vigor e o ritmo próprios de quem já viu demais, sentiu muitas e não tem linha nem tinta para desperdiçar. Não cabem panfletos ou quebrantos. Vale mais caminhar e propor pistas de outras histórias: horizontais, obviamente.
Sobre-viventes é fertilidade criativa e crítica. Tocando em questões raciais, políticas e de gênero sem cair no mingau ralo do discurso pronto, das obviedades calcificadas. Narrativas de dentro. Os personagens são palpáveis, são gente, não bonecos representando instituições – como se tornou comum ler por aí. Não se trata de crônicas produzidas para agradar grupos. É o que precisa ser dito. Menos dedo na cara e mais desafios à reflexão, propositivo. Do nojo à simpatia, causam os sentimentos mais complexos. Indiferença é que não. Aí está o encanto maior, a gente lê como se assistisse. E, naquele instante, quando você pensa que flagrou o ideal do livro, Cidinha te põe pra catar cavaco, revela a imensidão de seu repertório, capacidade de subverter e manusear a língua (como em Setoró, por exemplo).
            O leitor não é testemunha, é cúmplice. Real como o agora (sem ser vulgar), cada crônica tem um coração como matéria-prima. Ora pelo afeto, ora pela sangria.       Extraídos de situações convencionais, como novelas, transportes públicos, redes sociais e noticiários, os casos passam pelo filtro da autora e deixam a suspeita-sensação de que aquelas personagens são todas partes de nós.
            Não por acaso, o título permeia e amplia os sentidos de todos os textos do livro. Com fôlego e parágrafos mais longos, as crônicas que denunciam violências (em geral) trazem um olhar jornalístico mais apurado em detrimento da poesia, que caracteriza as de cunho narrativo. E como preservar o lirismo em meio a tanto horror? Pois é, o texto que mais utiliza recursos poéticos se chama A Guerra.      Cidinha da Silva recorre o tempo todo às memórias de pessoas que tiveram (e/ou têm) o exercício pleno de suas humanidades negado. A autora não entrega tudo, muitas vezes prefere deixar o caso suspenso – como quem diz: “Receba. Você que continue, se quiser...” Por isso é necessária uma leitura dedicada para perceber os silêncios destas memórias femininas e negras – sobretudo. Se algumas crônicas permitem a vastidão da subjetividade, por outro lado, outras explicitam uma posição definitiva em defesa de lutas ancestrais. Sua fala em O leilão da virgem e a fita métrica é emblemática e ecoa“Eu juro a vocês, seria mais feliz ao falar de flores, amores e pássaros, mas esse pessoal não nos deixa criar em paz.”
            Um livro atento às emergências e contradições do nosso tempo. É uma trovoada neste aquário de literatura marginal. Dialogando com sentimentos imprevisíveis, toda uma tradição de resistência através de traços, cantos, sabores, sons, cores etc, Sobre-viventes não inventa a roda da literatura, mas faz com que ela gire com mais diversidade e reticências.
            Mais ou menos como diria Criolo (artista citado no livro), saber a hora de parar é para gente sábia. E a julgar pela qualidade literária que vem apresentando nestes anos todos, a história de Cidinha da Silva não conhecerá fim.
(Texto publicado na íntegra na revista Acho Digno:http://achodignoarevista.blogspot.com/…/o-cinema-de-palavra… )


segunda-feira, 11 de abril de 2016

Para reticências

Perdoa este pequeno século, Mãe. Ele chegou agora aos 16, acha que é moda usar bandeira rasgada como jeans. Tem apetite de gente e utopias... este miserável. 
- Um bando de cavalos selvagens galopando na parte mais sombria de meu coração. Coices e relinchos destroem a derradeira costela de meus tímpanos. A poeira dos cascos se converte em larva de vulcão subindo pela garganta a 125 anos luz por segundo. Olhos são o iceberg desta implosão. E uma saída é nada para tanto fogo líquido. 
Abraços pedem força - mais uma vez. Sem saber ou se dar conta que sou sertão. Repare qu'eu já fui forte demais. Sabia não?
 E neste presente instante só quero me permitir escorrer, desabar, me entregar ao pranto que toma conta de todos meus ossos. Abraço é mãe de todos nós.
Mas a madrugada nos ensinou cedo demais a ser impermeáveis. 
Nem todos podem expressar sua histeria. Alguém precisa manter olhos altos e joelhos firmes. Sustentar a si e os demais - que transformam soluços em convulsões de pus, urros, solidão e flagelo como impotência. 
As portas se fecham feito sutura pós operatória. Contar os pontos é inútil. A cicatriz incomoda mais quando Invisível. Sem calmantes ou analgésicos. Só acredito sentindo - mesmo.
Sem resignação. Sem culpa nem revolta. Sinto o que sente um animal preso numa esfera vedada, que teima diariamente em tentar escapar. Ideia da morte é conta-gotas. E as nuvens me ensinaram a ser mais chave que porta. 
Mãe me ensinou a não me afasto demais do coração. Mas eu acabo de abrir a porta de casa e penso que não tenho mais para onde voltar. Pego a caneta e só consigo uma palavra.
 'Mãe, Saudações sem fim.' Começavam assim todas as cartas que lhe escrevia. E eu ainda não sabia que seriam eternas, de fato.
Os cavalos (agora mais selvagens) se multiplicam e avançam. Não quero mais detê-los. Não posso mais.
Perdoa este século miúdo, Mãe. Eu não vou esquecer.

quinta-feira, 17 de março de 2016

Algodão de Fogo


Hoje acontece a primeira edição de Algodão de Fogo. Estarei no Relicário Rock Bar com amigos de longa data. Numa noite nada previsível, resgataremos as origens do Blues e do Sarau. 
Estrelando:
Marina Mariná ✶ Paulo SS ✶ Rurall Jones ✶ Victor Rodrigues.
 Improvisos. Rockeragem Poética. Felicidades. Festival... Tudo questão de palavra! 
Chegue junto. 
Chame seus amigos, seu amor... Traga o seu melhor!
Venha ver e sentir como nascem as constelações.

Às 20h, Rua Manoel de Lima, 178 - Jordanópolis (Zona Sul) - São Paulo-SP


Bote Fé: Universo Paralelo dos Zines, 2015

Você já deve ter notado que adoro livros de bolso, né? Na real prefiro os grandes, mas como tenho o hábito de ler enquanto ando de ônibus, aí os livros menores são mais pertinentes.
Bora lá.
Estou terminando a releitura desta obra imprescindível para quem gosta de auto publicação, contracultura e "faça você mesmo" em geral.
Com caráter jornalístico e curiosidades que só uma autoridade no assunto poderia revelar, Márcio SNO produziu um documento histórico valioso sobre zines. Sim, este é um livro que transcende as aspirações da literatura tradicional.
O entusiasmo e paixão do autor transbordam em cada parágrafo; contudo, as décadas de vivência intensa no "Universo Paralelo dos Zines" não permite romantismos pueris.
As epígrafes dos capítulos ampliam e dão a tônica do todo.
O cara manja dos paranauês. Cita nomes essenciais para o rolê e contextualiza o papel do zine na 'história'.
Há poucas publicações (em livros) sobre este tema no Brasil, como o próprio Márcio ressalta aqui, daí a importância ímpar desta.
Procure saber. Este eu recomendo com força!
+
Enquanto escrevia aqui ouvi o disco Mundo Livre S/A versus Nação Zumbi.
+
Obs. Este é o Bote Fé, um projeto de mini resenhas de obras de autores vivos, que lançam livros nada convencionais.
Toda segunda-feira tem novidade na página:https://www.facebook.com/nibrisant/