quinta-feira, 24 de março de 2011

Outro grito na madrugada


Correu disparado na direção da liberdade
sem saber que ela nunca mais o consolaria.
Duro, grave, bruto, doido, feio:
se tornara o que precisava ser.
Não foi por amor, nem por mau-gosto
que rasgou corações
aniquilou a carne
atravessou gargantas
estourou pulmões
e avançou para os lábios
onde mordaças brancas o prenderam
e tiraram seus sentidos com cólera metódica.
Ainda assim, incendiou a língua estéril
enquanto as grades irrigavam a fúria
vinda da pior fraqueza
que é nada poder fazer
por si, nem por ninguém.
Acuado, arrombou os olhos
derretendo-se num líquido venenoso.
Exaustão transformada na firmeza
dos clandestinos enterrados vivos
que confiavam no amanhã, na honra
e em cantigas que conheciam de ouvir.
A vista agride e despreza tudo o que encara
sem vacilar.
Mas já não pede mais vingança,
nem justiça, nem sangue, nem nada.
Sabe não existir alívio para a agonia
da ausência de quem jamais se despedirá
ou das promessas que nunca serão pagas em dia.
Natureza que não pode ser corrompida,
pois sendo a desgraça sua sombra,
é também sua amante, filha e sogra.
Amaldiçoado metal indomável,
com fome de gente e de tudo
que dançando desesperado no ar
invadiu espaço pessoal e intransferível
e arruinou a matéria frágil e besta
que é a vida, este corpo sempre estranho.
O olhar sustenta a segurança traiçoeira
dos que perderam mais do que possuíam,
cujos dias serão sempre uma dívida desonesta
com mundos de mentiras sinistras e boas de acreditar.
Resta nos sentidos a rude lembrança indefinida
de outro grito na madrugada de luzes acesas
que continha a única questão a ser esclarecida:
Por quê?

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