Na última terça-feira (5/7) estive em Volta Redonda, no Centro Cultural Fundação CSN. Foi importante viver.
Fotos: Fábio Silvestre
quinta-feira, 7 de julho de 2016
terça-feira, 17 de maio de 2016
Fábrica de ontem
Ser correto ou pecado são apenas maneiras distintas de estar só.
O horizonte só existe para quem mira o interior de olhos alheios
e consegue guardar o sabor do silêncio.
Passarinho é um diamante que esqueceu de acordar.
E agora que consegui meu primeiro abraço de verdade, sinto que
Poderia aguardar calmamente que aquela garota retorne no início da alvorada - me pedindo perdão, com um pacote de pães frescos, bolo de rolo e um danone e um beijo na boca de meia hora.
E eu poderia esperar convites para Feiras literárias, saraus, galerias, universidades; disputar concursos [destes que os jurados odeiam poesia, analisam seu sobrenome, seus contatos influentes, seu poder aquisitivo e experiência com subornos e cocaína]
Esperar que meus amigos me considerem um cara do bem - que fala camarada, empoderamento, coletivo, revolução e sistema em cada frase.
Pedi que toquem Vivendo do ócio na rádio e esperar que meus joelhos invejem os tímpanos - de tanto vibrar.
Esperar que as mães dos meus filhos me liguem falando sobre o dente que nasceu ou caiu, sobre uma nova palavra que as crianças aprenderam - enfim, que dêem notícia por qualquer razão, que não seja para cobrar meus intestinos. Pelo menos uma vez.E, por final, poderia esperar que o fim bata na minha testa perguntando se tem alguém aqui... Mas a morte já me ensinou demais. E até poderia, mas não tô a fim de esperar por.
O horizonte só existe para quem mira o interior de olhos alheios
e consegue guardar o sabor do silêncio.
Passarinho é um diamante que esqueceu de acordar.
E agora que consegui meu primeiro abraço de verdade, sinto que
Poderia aguardar calmamente que aquela garota retorne no início da alvorada - me pedindo perdão, com um pacote de pães frescos, bolo de rolo e um danone e um beijo na boca de meia hora.
E eu poderia esperar convites para Feiras literárias, saraus, galerias, universidades; disputar concursos [destes que os jurados odeiam poesia, analisam seu sobrenome, seus contatos influentes, seu poder aquisitivo e experiência com subornos e cocaína]
Esperar que meus amigos me considerem um cara do bem - que fala camarada, empoderamento, coletivo, revolução e sistema em cada frase.
Pedi que toquem Vivendo do ócio na rádio e esperar que meus joelhos invejem os tímpanos - de tanto vibrar.
Esperar que as mães dos meus filhos me liguem falando sobre o dente que nasceu ou caiu, sobre uma nova palavra que as crianças aprenderam - enfim, que dêem notícia por qualquer razão, que não seja para cobrar meus intestinos. Pelo menos uma vez.E, por final, poderia esperar que o fim bata na minha testa perguntando se tem alguém aqui... Mas a morte já me ensinou demais. E até poderia, mas não tô a fim de esperar por.
segunda-feira, 9 de maio de 2016
Na natureza asfalto
Levantou da cama
Como os vietnamitas dançaríam maracatu entre os campos de Minas
Como os vietnamitas dançaríam maracatu entre os campos de Minas
Preparou o café
Como a mãe arrumaria seu filho para o primeiro dia de aula
Escovou os dentes
como um lavador de carros poliria o mais novo lançamento da NASA
Cuidou do silêncio
como um oceano destruiria um castelo no coração Saara
Fechou a porta
Como um luthier daria o último ponto após uma cirurgia do miocárdio
Sonhou com um afeto derrotando o mal
feito um sorvete acariciando a língua de um dragão
feito um sorvete acariciando a língua de um dragão
Não foi trabalhar
Como se o fim fosse caso de atestado médico
Como se o fim fosse caso de atestado médico
Espera continuação
como uma criança quarentona aguarda o último episódio da caverna do dragão
como uma criança quarentona aguarda o último episódio da caverna do dragão
E ainda há quem use fones de ouvido
nos olhos.
quarta-feira, 4 de maio de 2016
Auto defesa de afetos
Saiu de casa
sem ter de quem se despedir
Como uma tenista cearense
vai ao parque sem sua mochila: está nua
e sem pantufa
sem ter de quem se despedir
Como uma tenista cearense
vai ao parque sem sua mochila: está nua
e sem pantufa
Olhou para os ombros
e abriu a mão
como se pudesse tocar o aroma do panetone
nos calos das rugas da retina de um recém-nascido
e abriu a mão
como se pudesse tocar o aroma do panetone
nos calos das rugas da retina de um recém-nascido
Quis fazer um poema
Não destes da moda, que falam sobre revolução, coisa nenhuma e tal
Como uma miss discursa sobre a África, sustentabilidade e a importância do KY para o swing mundial. Mas só poderia acreditar em um poema que fosse mais exposição que um nu frontal da alma
e tão silêncio quanto um sim
antes do final.
Não destes da moda, que falam sobre revolução, coisa nenhuma e tal
Como uma miss discursa sobre a África, sustentabilidade e a importância do KY para o swing mundial. Mas só poderia acreditar em um poema que fosse mais exposição que um nu frontal da alma
e tão silêncio quanto um sim
antes do final.
Tirou a maçaneta do cílio
e fez greve de futuros
Como quando o silêncio não encontra a sílaba do fim
E encerra a treta querendo dormir com seu ímpar
e fez greve de futuros
Como quando o silêncio não encontra a sílaba do fim
E encerra a treta querendo dormir com seu ímpar
O crepúsculo te ensinou cedo:
as coisas que pesam são matéria de balança
as que flutuam, do mar
e as que faltam são parte do que mais guardou
as coisas que pesam são matéria de balança
as que flutuam, do mar
e as que faltam são parte do que mais guardou
Fez pole dance
no pescoço de um elefante (disfarçado de rato)
como uma planta esmaga a bota de um militar
no centro do pregão da bolsa
no pescoço de um elefante (disfarçado de rato)
como uma planta esmaga a bota de um militar
no centro do pregão da bolsa
E
Ainda assim
não pôde (nem sabe como)
pedir sem querer milagre
Que as coisas sejam
Melhores
Como nunca.
Ainda assim
não pôde (nem sabe como)
pedir sem querer milagre
Que as coisas sejam
Melhores
Como nunca.
O cinema de palavras de Cidinha da Silva
Literatura é quando uma história nos convence de que a realidade pode ser outra(s), algo acima dos sonhos e das mazelas cotidianas. Não uma esperança convicta e anunciada, mas uma rachadura no muro de uma rua sem saída – para alguém que precisa chegar do outro lado. No entanto, literatura não é só isso.
Cidinha da Silva chega ao seu nono livro com o vigor e o ritmo próprios de quem já viu demais, sentiu muitas e não tem linha nem tinta para desperdiçar. Não cabem panfletos ou quebrantos. Vale mais caminhar e propor pistas de outras histórias: horizontais, obviamente.
Sobre-viventes é fertilidade criativa e crítica. Tocando em questões raciais, políticas e de gênero sem cair no mingau ralo do discurso pronto, das obviedades calcificadas. Narrativas de dentro. Os personagens são palpáveis, são gente, não bonecos representando instituições – como se tornou comum ler por aí. Não se trata de crônicas produzidas para agradar grupos. É o que precisa ser dito. Menos dedo na cara e mais desafios à reflexão, propositivo. Do nojo à simpatia, causam os sentimentos mais complexos. Indiferença é que não. Aí está o encanto maior, a gente lê como se assistisse. E, naquele instante, quando você pensa que flagrou o ideal do livro, Cidinha te põe pra catar cavaco, revela a imensidão de seu repertório, capacidade de subverter e manusear a língua (como em Setoró, por exemplo).
O leitor não é testemunha, é cúmplice. Real como o agora (sem ser vulgar), cada crônica tem um coração como matéria-prima. Ora pelo afeto, ora pela sangria. Extraídos de situações convencionais, como novelas, transportes públicos, redes sociais e noticiários, os casos passam pelo filtro da autora e deixam a suspeita-sensação de que aquelas personagens são todas partes de nós.
Não por acaso, o título permeia e amplia os sentidos de todos os textos do livro. Com fôlego e parágrafos mais longos, as crônicas que denunciam violências (em geral) trazem um olhar jornalístico mais apurado em detrimento da poesia, que caracteriza as de cunho narrativo. E como preservar o lirismo em meio a tanto horror? Pois é, o texto que mais utiliza recursos poéticos se chama A Guerra. Cidinha da Silva recorre o tempo todo às memórias de pessoas que tiveram (e/ou têm) o exercício pleno de suas humanidades negado. A autora não entrega tudo, muitas vezes prefere deixar o caso suspenso – como quem diz: “Receba. Você que continue, se quiser...” Por isso é necessária uma leitura dedicada para perceber os silêncios destas memórias femininas e negras – sobretudo. Se algumas crônicas permitem a vastidão da subjetividade, por outro lado, outras explicitam uma posição definitiva em defesa de lutas ancestrais. Sua fala em O leilão da virgem e a fita métrica é emblemática e ecoa: “Eu juro a vocês, seria mais feliz ao falar de flores, amores e pássaros, mas esse pessoal não nos deixa criar em paz.”
Um livro atento às emergências e contradições do nosso tempo. É uma trovoada neste aquário de literatura marginal. Dialogando com sentimentos imprevisíveis, toda uma tradição de resistência através de traços, cantos, sabores, sons, cores etc, Sobre-viventes não inventa a roda da literatura, mas faz com que ela gire com mais diversidade e reticências.
Mais ou menos como diria Criolo (artista citado no livro), saber a hora de parar é para gente sábia. E a julgar pela qualidade literária que vem apresentando nestes anos todos, a história de Cidinha da Silva não conhecerá fim.
(Texto publicado na íntegra na revista Acho Digno:http://achodignoarevista.blogspot.com/…/o-cinema-de-palavra… )
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