quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Estilhaços no tapete

(Paulo SS)
Juro só prometer o que posso cobrar de mim
mas continuo matando um coração por dia.

Finjo que minto
quando digo o que quero.

Te machuco com diversos
depois me firo sozinho.

Falo sério sorrindo
tentando evitar conflitos.

Sigo sempre adiante
sem deixar meus erros para trás.

Peço desculpas sem perdão
antes que o remorso me apanhe, me bata.

Mas tua ausência desespera o desatino
e minh’alma já não consegue se enganar.

* Texto também publicado em: Livre Fanzine

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Jogos de Guerra


(Paulo SS)

Intrigas revelam desencantos
dilaceram os olhos,
mostrando que antídoto
é o veneno dos fracos.

Sonho psicodelias
enquanto você raia
sem se esgotar
em viagens astrais.

Sempre vence
nunca sacia.
Lutaremos então
até nos consumir.

A Crítica Caduca

A crítica de Arte, um dos ofícios mais inúteis e dispensáveis, nasceu das necessidades caretas de organizar, classificar e dar nome às coisas. Mas
logo as mídias (sobretudo os jornais) perceberam a oportunidade de aumentar seus faturamentos em cima de um público que precisa que alguém lhe aconselhe, por exemplo, se o filme que quer assistir vale uma pipoca ou um milharal.
A maioria dos críticos são degustadores que não sabem cozinhar, mas se sentem com toda autoridade para julgar a qualidade dos pratos alheios.  São fabricantes de rankings caducos e perecíveis.
(Ni Brisant - Audiência)
É muito manjado sair distribuindo adjetivos aos clássicos, repetindo elogios que os cânones estão exaustos de receber. Parece que não se pode levar a sério algo do nosso tempo, underground. Como se só merecessem atenção os artistas que ocupam bancos nas academias e colecionam prêmios patrocinados.
Artista vivo dá trabalho, a qualquer momento pode mudar de estilo, virar evangélico ou simplesmente decair. Por isso que a crítica adora os mortos, afinal, basta tachar um rótulo pomposo neles e não se fala mais nisso.
Por outro lado, as novidades são inimigas da crítica porque toda vez que surge uma obra diferente (fato raro) é preciso rever conceitos, buscar um padrão para enquadrá-la e condenar se ela é a melhor ou pior. O novo sempre acaba resumido ao sufixo “pós”, tudo é pós alguma coisa e pronto.
Assim como as ciências e a polícia, a crítica está sempre correndo atrás do prejuízo, do leite derramado. Vive tentando criar teorias e regras que expliquem fatos, manifestações e fenômenos há muito passados.
Mas o tempo é um rei imparcial, e também o mais honesto teste de qualidade. A Arte que quiser ser considerada como tal, precisa passar por ele por conta própria, sem jabá, sem padrinhos.
Ao contrário dos analistas supérfluos que supervalorizam os pontos negativos e simplificam as qualidades só para que eles próprios se sobressaiam em relação ao objeto de estudo, preciso reconhecer a importância do papel que a boa crítica tem desempenhado para a evolução da Arte.
Conforme já disse, todos nós somos seres-juízes, mas para ser um crítico profissional é preciso muito mais do que saber achar defeito nas composições alheias. Além de conhecer todo o funcionamento das engrenagens, é necessário que haja um amor pela Arte maior do que ao seu próprio ofício. Pois no julgamento de qualquer manifestação artística, o sentimento é um critério tão relevante tanto quanto a técnica.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

A um certo Carlos

Prezado Carlos,
Jamais saberás quem sou, mas eu te conheço bem e isso basta!
Tuas palavras me tiraram do lugar, me ajudaram a chegar até aqui com a energia e sentimento de quem não se acovarda ainda que diante de frequentes exposições às mais altas velocidades ou às piores ameaças. Mostraram alternativas e tantos mundos, que de tão extraordinários, não cabem.
Mas Drummond, de vez em quando sua Arte ainda cisma em escapar do meu entender. Teu esclarecimento é a profundidade do universo; e perto do teu oceano, minha maturidade ensaiada não é capaz de completar um copo d’água.
(Ni Brisant - Impressões do campo)
Há muito que pressinto tua existência e suspeito minha verdade nos teus códigos. Neles reside a síntese do que sou, do que sei e ignoro.
Carlos, dia desses, num ímpeto arrebatador, gravei tua caricatura em minha pele. É justo que depois de tudo eu te traga comigo. Agora que teus traços estão grudados na minha superfície, vou descer à periferia do centro da cidade para beber com nossos camaradas, cantar boas coisas e descobrir que somos mais felizes do que podemos pensar.
É verdade, ainda há uma pedra no caminho, mas hoje te carrego do lado esquerdo, onde está tudo que existe de melhor em mim. Não há perigo, Drummond!
Penso em reunir meus amigos mais raros para fazer um livro que se aproxime dos teus. Uma obra que fale de todas as nações enquanto descreve minha aldeia, que mostre a essência do coração a quem só conhece o cheiro do sangue e que revele aos assalariados toda a graça de uma quinta-feira ociosa no parque. Um livro tão simples, que faça meus companheiros apontar-lhe as falhas e meus algozes aplaudir a estética. Criarei um iceberg para afundar os navios de banalidades carregados de submissão e dor; algo que faça minha mãe chorar e minha filha rir.
Usarei minha expressão para compreender a linguagem dos sonhadores fechados em disfarces de cidadãos comuns; Minha busca será o oráculo dos que ainda não aprenderam a interpretar a sabedoria do silêncio, nem o amor de um abraço amigo.
Carlos, meus manos estão comigo, estão todos bem! Enquanto noticiam nossas mortes em outdoors, já estamos disputando outras guerras e escrevendo a história do nosso tempo. Não há perigo, Drummond!

A verdade não interessa

“Eu não quero ter razão, eu quero é ser feliz!” Na distância dos seus 80 anos, Ferreira Gullar resumiu assim sua ambição perante a vida. Tal frase ecoou em vários meios e foi tratada como ofensa, um escândalo entre os intelectuais de escritório. Segundo dizem, alguém da estirpe de Gullar não pode abrir mão da verdade feito adolescente que foge de casa para ir morar com a namorada.
O embate razão versus felicidade é dos mais duros e antigos, mas a declaração de Gullar, quando tirada do seu contexto original, revela bem mais que um sintoma do egocentrismo dos nossos dias, mostra uma profunda ignorância e desinteresse por tudo que é alheio.
Este "tô nem aí" reflete a frustração daqueles que ousaram acreditar na vitória da civilização contra a barbárie, mas cansados desta guerra sem fim, estão abandonando a batalha e indo viver suas vidas. Embora este seja um dos poucos exércitos em que valha a pena se alistar, ninguém quer lutar por algo que se distancie do seu umbigo.

(Paulo SS)
Por outro lado, certos pensadores burocratas vivem gritando como devemos viver, amar e nos portar diante de cada situação. Reduzem todas as necessidades e ideais de uma geração a uma fórmula matemática, uma receita de bolo. É muita petulância se atrever a ditar o que os outros precisam, querem e principalmente, o que os farão felizes. Vendem segredos (secretos?) para todos os males, feito aquelas garrafadas que combatem desde unha encravada a inveja.
Há coisas que têm fins determinados, estabelecidos e definitivos. Por exemplo, toda empresa tem como único objetivo gerar lucro e qualquer coisa que se diga além disso é mera retórica. Portanto, quando uma instituição gasta cinco reais em ações beneficentes, com certeza irá investir, no mínimo, cinquenta para divulgar este gasto e revertê-lo em lucro. Ou seja, toda ação empresarial, mesmo as aparentemente sem interesse, têm como missão o ganho. Só que nós não somos, pelo menos não deveríamos ser, tão óbvios assim.
É muita ingenuidade pensar que estamos aqui somente para sermos felizes, dar risada e fazer o bem. Somos poços profundos; e até agora ninguém conseguiu dar uma resposta satisfatória quanto à razão da nossa existência. Por outro lado, parece que querer ser feliz tem que nos desobrigar de todo o resto. Como se quem busca a felicidade tivesse que se tornar um bobo risonho. Não se pode querer ser feliz e engajado ao mesmo tempo. Felicidade virou (só agora?) sinônimo de poder aquisitivo, boa saúde e sobretudo alienação.
A seção de autoajuda é a mais desesperada, embora se considere capaz de mostrar o caminho para a felicidade em 10 passos tão simples que qualquer um é capaz de executá-los. Mas como todo manual de instruções, não demora muito para se ver a impossibilidade de colocar em prática tudo o que ele exige.
(Tigão)
Faturam alto, porque a maioria não quer se dar ao trabalho de pensar, terceirizam suas vidas como um cara de 35 anos a quem a mãe ainda escolhe a roupa que ele irá usar. Imbecilidade dá náuseas.
Entediados carentes se entorpecem com ideias e programas tão vazios que não se sustentam diante de uma breve reflexão. Quem conseguiu terminar um livro de autoajuda pode se considerar especialista no assunto. Não sei quem inventou o primeiro, mas todos são, basicamente, uma sucessão de plágios.  
Todo dono de bar sabe que sua mercadoria é mais interessante que aquela que a universidade mais próxima tem a oferecer. Prova disso é a evasão das salas de aulas todos os dias (antes era só às sextas) na procura por algum entorpecente gelado ou fumegante. Aquela balela que contaram sobre a verdade libertar a raça está mais por fora que gíria de novela das oito. A verdade não interessa.
Ah, mas não cheguei até aqui para dar receita de ano novo feliz, de como realizar-se profissional ou pessoalmente e muito menos de como se superar, vencer na vida e coisa e tal. Ninguém consegue se dar bem o tempo inteiro, mas a maioria ainda não caiu na real e fica desesperada, tentando ser feliz a pulso, a todo instante.
Mãe alguma ensina ao seu filho algo que lhe pareça ruim, pois além de não querer o seu mal, sabe que o mundo é quem se encarrega de mostrar o que não presta. Partindo daí, penso que não devemos nos preocupar tanto com os infortúnios, pois o modo como chegamos ao outro lado depois de superá-los é o que faz toda diferença, preservando o que há de melhor em nós e desfrutando as boas coisas, pois do sofrimento, a vida já se encarrega.
No final, tanto a certeza quanto a felicidade são bênçãos solitárias.  Mas se assim como Gullar, estivermos certos do que queremos, já é um excelente começo.