Não sei explicar direito, mas deve existir alguma relação bem estreita entre a luta, o cansaço e a felicidade. Como é raro acontecer, hoje meu corpo, alma e coração ocupam o mesmo espaço. Acompanhado por uma exaustão e uma alegria suprema, agora estou exatamente onde gostaria de estar.
Se felicidade é ficar ou sentir-se completo então eu nem deveria escrever sobre o que está acontecendo agora. Hoje nasceu a pessoa mais importante da minha vida e eu preciso escrever sobre isso.
Estas são as linhas mais sinceras e duras que já tracei, feitas para que um dia minha filha Flora as leia e perceba o tamanho da revolução e alegria que o seu nascimento significou.
Os anos que parei sentado nos bancos da escola ou estrangulando livros em busca de verdades não foram capazes de me ensinar lições tão valiosas e confiáveis quanto as que aprendi nas últimas horas, nesta data que se tornou minha senha e passaporte para a fortuna.
Enquanto tento ser um bom expectador e não perder nenhum detalhe da minha história, meus pensamentos são atacados covardemente pelos maiores medos e esperanças. Não há o que pensar nessa hora, penso.
Aqui, com esta pessoinha nos braços, sinto meu coração pulsar em cada parte do meu corpo. Eu sei, não pode ser, mas agora eu sou só coração. E o que circula em minhas veias neste instante é algo maior que eu e muito mais bonito do que sei dizer.
Sinto este amor como uma energia sem fim, inesgotável; com sua força, seria capaz de rodar o mundo inteiro, toda a minha vida e por todo sempre.
Qualquer coisa que se diga sobre filhos, antes de tê-los, é bobagem. Estas valiosas palavras, ditas por um grande amigo, me vêm à cabeça e me dão conta de que talvez o tempo ainda não tenha me dado a devida autoridade para testemunhar sobre este assunto. No entanto, o bem querer que dedico à Flora veio arrebatador, numa invasão definitiva de todos os espaços que outrora foram meus. Sentimento que existe, tão, de tal modo, intenso e claro, que quase posso apanhá-lo com as mãos e fazer-lhe uma festinha na cabeça.
(Registro de memória) |
Desespero insone transformado em calma eufórica, que dispara no sangue uma felicidade que transcende e me faz melhor do que jamais serei. Flora, minha mais sublime maneira de ser feliz. Um amor, cuja presença não tem obrigação de ser ou estar, porque mesmo antes de haver qualquer matéria ou suspeita de, ele já estava lá, incorrupto, intacto e bem maior que todo o resto. Contradição metafísica que supera minha mania de certezas, rejeita antigos egoísmos e desafetos.
Refletido em seus olhos, eu me vejo um herói mitológico, todavia, basta abrir a janela do quarto e flagrar as dores do mundo, que a minha grandeza se converte numa impotência vergonhosa por não ser capaz de impedir todo sofrimento inevitável, que é a condição humana.
Angústia, temor, alegria, fé, cores... Tudo em meu mundo ganhou dimensões ultra-exageradas desde o segundo em que soube de sua chegada. Os dias passaram a ter gosto de primeira vez, ainda que não fossem.
- Flora, tomara que goste e honre o nome que escolhemos para você. Seu anagrama é farol, que quer dizer o que tem luz própria, e é dado a tudo aquilo que é feito para guiar, mostrar a direção certa. Vigio seu sono e penso que não poderia haver título melhor para você, exceto, talvez, Alegria do Coração.
Não sei tudo sobre a vida, a gente nunca deve achar que sabe, mas estou aprendendo algumas coisas e tentando ser alguém melhor. Nunca deixe de tentar ser também.
De todas as minhas expectativas e anseios, quero acima de tudo, que confie no seu coração. A vida sempre deixa que sejamos o que acreditarmos, desde que lutemos para ser.
Não importa quando irá ler este papel, saiba apenas que nossos sonhos são os maiores patrimônios que podemos ter. Nunca abra mão dos seus, filha.